quarta-feira, 18 de abril de 2012

Retomada das terras indígenas: a busca por esperanças


As retomadas de terra são ações de grande significado na luta pela terra, porque são iniciativas das próprias comunidades indígenas. São geralmente motivadas por um “chamado” dos ancestrais, dos encantados, dos espíritos de luz. Nas retomadas se articulam três princípios: o princípio da realidade, o princípio da ruptura e o princípio da esperança. A luta pela terra assume um valor simbólico de êxodo e de busca da “terra sem males”, a terra representa o núcleo de um outro modelo de vida. O movimento indígena e tudo o que acontece na aldeia tem um valor educativo. Se a "retomada do sistema educacional" pelos povos indígenas significa assumir a escola para construir uma sociedade que não produz menores abandonados nem drogados, a retomada das terras indígenas - além de ser uma vitória contra o latifúndio e a reparação de uma injustiça - é um projeto pedagógico que mostra como "produzir para viver" em vez de "viver para produzir".

O "lucro" está na conquista e retomada de espaços de vida e no orgulho de pertencer a um povo indígena, na autoestima da comunidade, não na acumulação de bens ou no negócio de alguns. Ao retomar as suas terras, as comunidades estão reafirmando seu projeto histórico de bem viver, de liberdade e de dignidade, como o fazem, também, outros movimentos como o dos sem-terra, o movimento negro e o movimento feminista. São movimentos que reagem à negação de um direito fundamental, a partir do qual se concretiza e se assegura a vida em abundância.

Nesta vontade corajosa de reconquistar a terra, espaço de memória, de culto, de realização plena da vida, os povos indígenas nos ensinam diferentes caminhos de luta. Caminhos que não se constroem somente com braços e mãos, mas com coragem, com fé, com rituais, articulando passado, presente e futuro, contando com a força dos ancestrais. Apontam para as exigências da justiça e para o mistério da esperança. Tanto o movimento indígena quanto o movimento Sem-Terra lutam para reconstruir uma sociedade sem exclusão e para libertar a terra da ditadura do latifúndio. E a reconstrução desta nova sociedade põe em questão também os modelos de desenvolvimento que têm por base a  exploração e exaustão dos recursos ambientais. É necessário reconstruir também as relações com a natureza e com o meio ambiente e neste campo, podemos aprender com os povos indígenas, bebendo de sua sabedoria milenar que confirma: não foi o homem que teceu a trama da vida; ele é apenas um de seus fios. E se o tecido adoece, toda a vida adoece com ele.

Nesta visão integrada da vida, como um tecido composto por muitos fios, situa-se também a questão ambiental. Nos dias de hoje esta é uma temática que está sempre em pauta. Todos os países, em especial aqueles do chamado primeiro mundo, dizem-se preocupados com a qualidade de vida no planeta. Por este motivo assistimos a várias iniciativas de governos, organismos internacionais, tais como a Eco 92, Agenda 21 etc.; e agora a Rio + 20, que pretendem propor mecanismos de proteção do meio ambiente. Surgiram, em função de toda esta mobilização ambientalista, alguns conceitos considerados “ecologicamente corretos”, que têm como referência o desenvolvimento sustentável. Como o próprio termo sugere, a preocupação primeira não é com o meio ambiente, mas com o desenvolvimento e, consequentemente, com as possibilidades de exploração dos recursos naturais existentes, exaurindo-lhes toda a capacidade de produzir capital. Desta forma, a sustentabilidade almejada é a do sistema econômico e não dos seres humanos e toda a vida existente no planeta. A verdadeira sustentabilidade planetária depende de mudanças profundas na concepção de homem e de natureza, e de implementação de um outro modelo de sociedade, onde o determinante não seja o capital, o lucro, mas a vida dos homens e mulheres interagindo com toda a natureza.

Na lógica indígena, que considera a vida na integralidade, a utilização dos recursos naturais não é predatória. Não é parte do sistema econômico a exaustão dos recursos, por isso não é necessário criar leis para evitar o corte de árvores, ou proibir a pesca ou ainda determinar quantos metros cúbicos serão cortados, nem quantos quilos poderão ser pescados.

Na sociedade capitalista, no entanto, as leis são um instrumento indispensável para frear a ganância, o lucro inconsequente, concentrado em mãos de minorias privilegiadas. Muitas vezes a própria lei assegura e  legitima essa ordem social desigual. A questão ambiental também não foge à regra. Nos noticiários podemos ver agricultores pobres sendo presos por pegar um tatu, derrubar uma árvore, pescar em tempo de desova, mas não conhecemos casos em que empresários da madeira, mineração e outros, são punidos pela exploração ilegal e destruição do meio ambiente.

Os índios são também vítimas da aplicação injusta das leis ambientais. Mais grave ainda, eles vêm sendo acusados injustamente por vários setores do movimento ambientalista brasileiro, de estarem depredando as áreas destinadas à preservação ambiental. A acusação está sendo justificada com base na falaciosa argumentação de conflitos gerados pela sobreposição de unidades de conservação em terras indígenas. Chamamos aqui a atenção para o perigo ideológico desta falsa questão, na medida em que ela promove a inversão dos papéis historicamente desempenhados pelos respectivos atores sociais. No caso dos povos indígenas, não se faz necessário recorrer a registros documentais para comprovar o lugar sociológico sempre ocupado por eles. A incidência das unidades de conservação em seus territórios tradicionais constitui prova inconteste de que, em suas relações com a natureza, os povos indígenas são seus protetores e defensores.

Mesmo assim, os povos indígenas são vítimas das pressões exercidas por empresas madeireiras, mineradoras, hidrelétricas, hidrovias, gasoduto, etc. que, em suas práticas de aliciamento, se utilizam, inclusive de instâncias representativas dos poderes do Estado brasileiro. Por esse motivo, acontecem casos em que lideranças e até comunidades indígenas inteiras são cooptadas e envolvidas em empreendimentos predatórios. Neste contexto, os povos indígenas, os pequenos agricultores, os ribeirinhos, e tantos outros tornam-se “reféns” do modelo de desenvolvimento a que o país está submetido. São forçados a situações que somente interessam àqueles que detêm o poder econômico: os latifundiários e os empresários interessados nas áreas indígenas.

A “bandeira ambiental” é utilizada muito mais como uma justificativa diante da opinião pública, do que, propriamente, como uma política efetiva de preservação. 

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