“O crescimento econômico
desconectado do meio ambiente ainda continua sendo usado como argumento de
redução da miséria. O Brasil se mantém numa posição em que crescer para sempre
é a meta, sem agregar valores inerentes ao desenvolvimento com distribuição
equânime de riquezas, o que nos confere fragilidade e insustentabilidade.” É
com essa declaração que Telma Monteiro critica a atuação ambiental do Estado
brasileiro nos últimos 20 anos, pós-Eco-92. Para ela, “a triste realidade que
estamos vivendo nos biomas brasileiros e o aumento das emissões” demonstram que
o Brasil não implementou quase nenhuma das propostas discutidas na Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a qual buscou
conciliar desenvolvimento econômico com conservação ambiental. “O governo
continua defendendo interesses imediatistas desde Estocolmo, em 1972, e
escolheu não fazer um controle eficaz da poluição, alegando que poderia reduzir
o crescimento”, assinala.
Na entrevista que concedeu ao
blog FLORESTA DO MEIO DO MUNDO por e-mail, após participar do “Ciclo de
Palestras: Rio+20 – desafios e perspectivas”, no Instituto Humanitas Unisinos
(IHU), Telma enfatiza que a Conferência Rio+20, que acontecerá de 20 a 22 de
junho no Rio de Janeiro, talvez seja a última oportunidade de “respeitar os
limites do crescimento e passar a adotar a consciência no lugar de afrontar a
evolução natural da Terra”. Segundo ela, “o mandatário de uma nação tem
obrigação de levar a sociedade à reflexão sobre os temas que comprovam o risco
futuro da sobrevivência da vida no planeta, e não é concebível que ele (ou ela)
menospreze todas essas contribuições atribuindo-lhes publicamente a pecha de
“fantasias”, critica, referindo-se à declaração da presidente Dilma na semana
passada. Ao se posicionar sobre a Rio+20, Dilma disse que “ninguém numa
conferência dessas também aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Ela não
tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou
falando da fantasia”.
No dia 16 de maio, Telma Monteiro
participará novamente do “Ciclo de Palestras: Rio+20 – desafios e
perspectivas”, abordando o tema “Rio+20 e a questão da matriz energética
brasileira”. O evento ocorrerá às 9h30, na Sala Ignacio Ellacuría e
Companheiros, no IHU.
Telma Monteiro é especialista em
análise de processos de licenciamento ambiental e pesquisadora independente.
Confira a entrevista:
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Quando
se iniciaram os principais acordos e conferências que culminaram com o
surgimento de políticas ambientais no mundo?
TELMA MONTEIRO: Entendo que
foi a partir de 1962, quando Rachel Carson produziu um estudo chamadoPrimavera
Silenciosa, em que expôs a contaminação da cadeia alimentar por pesticidas, em
especial o DDT, nos Estados Unidos. Foi a primeira vez que alguém teve a
coragem de mostrar a necessidade de se respeitar os ecossistemas. Indiretamente
ela criticava o modelo do desenvolvimento econômico que impunha alterações ao
ambiente, como exterminar espécies de insetos ou plantas. Na verdade, isso
levou a uma reflexão sobre o ser humano estar atropelando o processo natural,
contaminando o ambiente e provocando sua vulnerabilidade.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Como
avalia o desenvolvimento e o avanço das questões ambientais após a Eco-92? O
que de fato mudou nesses 20 anos?
TELMA MONTEIRO: Na verdade,
não entendo que tenha ocorrido avanço nas questões ambientais ou nas soluções e
estratégias visando a chegar a um momento em que não será possível retornar. A
obra Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, é muito atual, e, depois de
50 anos, percebemos que nossas preocupações são as mesmas e que, embora o DDT
tenha sido proibido, outros “DDTs” disfarçados, camuflados, continuam
produzindo a destruição do planeta.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Poderia
fazer uma síntese dos principais acordos e/ou conferências ambientais firmados
no Brasil e no mundo? Quais os impactos desses acordos concretizados com a
Rio+20?
TELMA MONTEIRO: Em 1968 se
deu em Paris a Conferência Intergovernamental de Especialistas ou Conferência
da Biosfera, em bases científicas, organizada pela Unesco. Ainda nesse mesmo
ano foi constituído o Clube de Roma, formado por cientistas, políticos e
industriais preocupados com os rumos do crescimento econômico e o uso crescente
dos recursos naturais. O Clube de Roma produziu o relatório intitulado Os
limites do crescimento, o qual foi elaborado por pesquisadores que mostraram
que, em algum momento nos próximos cem anos, a Terra alcançaria um limite e
haveria o declínio da capacidade industrial, econômica e social. Em 1972 tivemos a Conferência de
Estocolmo em que foram discutidos os impactos do crescimento e do
desenvolvimento sobre o meio ambiente e que culminou com a Declaração de
Estocolmo. Este documento, com 26 princípios, mencionou pela primeira vez a
proteção ambiental e o direito humano ao meio ambiente adequado. Em 1983,
formou-se a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ou
Comissão Brundtland, que se reuniu em 1987 na Noruega, que deu origem ao
relatório Nosso destino comum, que, entre outras coisas, reconheceu a
natureza global dos problemas ambientais. Foi nesse momento que se falou, pela
primeira vez, em desenvolvimento sustentável. Em 1988, a Constituição Federal
do Brasil inseriu o Artigo 225 que versa sobre meio ambiente. Finalmente, em
1992, o Rio de Janeiro sediou a Eco-92, evento em que participaram mais de cem
países e que avaliou a Conferência de Estocolmo de 1972. Da Eco-92 saíram importantes
acordos como a Convenção sobre o Clima, a Convenção sobre a Biodiversidade, a
Carta da Terra e a famosa Agenda 21. Agora na Rio+20 pretende-se fazer um
balanço dos resultados e realizações.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Quais
as lições que o Brasil recebeu de acordos anteriores, como a Eco-92, e de que
maneira estas iniciativas contribuíram positivamente para a diminuição dos
problemas ambientais no Brasil e no mundo?
TELMA MONTEIRO: Não acredito
que o Brasil tenha aprendido muitas lições, ou, se aprendeu, esqueceu nos
últimos 20 anos, como mostra a triste realidade que estamos vivendo nos biomas
brasileiros com o aumento das emissões. O governo continua defendendo
interesses imediatistas desde Estocolmo, em 1972, e escolheu não fazer um
controle eficaz da poluição, alegando que poderia reduzir o crescimento. O
crescimento econômico desconectado do meio ambiente ainda continua sendo usado
como argumento de redução da miséria. A proposta brasileira para redução da
emissão de gases de efeito estufa foi pouco ambiciosa, numa clara demonstração,
nesses 20 anos, de desconhecimento da responsabilidade que lhe cabe no aumento
do aquecimento global. O Brasil se mantém numa posição em que crescer para
sempre é a meta, sem agregar valores inerentes ao desenvolvimento com distribuição
equânime de riquezas, o que nos confere fragilidade e insustentabilidade. Por
exemplo, a meta dos governos, anterior e atual, é perseguir uma posição de
destaque no mundo global, não como país preocupado com as mudanças climáticas e
com o uso sustentável das riquezas naturais, mas priorizando o crescimento da
economia a qualquer custo, como forma de aumentar o poder sobre as outras
nações. A meta, então, é a superioridade hegemônica, é dar as cartas no jogo
global.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Que
exemplos o mundo recebeu com a Eco-92 e de que maneira erros e acertos podem
ser revistos para o melhor desempenho da Rio+20?
TELMA MONTEIRO: Acredito que
tenha chegado o momento mais esperado pela sociedade com relação à atitude de
seus governantes: o de reconhecer que continuam errando e tentar mudar os rumos
que, em algum momento da trajetória, foram alterados. Os erros foram se
acumulando desde 1972, e na Eco-92 houve até um mea culpacoletivo, mas que
não serviu para que os governos entendessem que a arrogância humana sobre a
natureza só está mostrando quem é o mais forte. E não são os humanos! Talvez a
Rio+20 seja nossa última oportunidade de recuar diante dessa força indomável,
respeitar os limites do crescimento e passar a adotar a consciência no lugar de
afrontar a evolução natural da Terra.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Gostaria
de acrescentar algum aspecto não questionado?
TELMA MONTEIRO: A
consciência ecológica e o respeito à natureza alcançaram a sociedade, mas não
as autoridades brasileiras. Acredito que o grande avanço que tivemos em
conscientizar a sociedade é frágil, pois ainda está vulnerável aos maus
exemplos das elites políticas. A militância ambiental e social sofre a
desqualificação de seus argumentos, dos estudos, das pesquisas que oferecem na
busca de soluções. O mandatário de uma nação tem obrigação de levar a sociedade
à reflexão sobre os temas que comprovam o risco futuro da sobrevivência da vida
no planeta, e não é concebível que ele (ou ela) menospreze todas essas
contribuições atribuindo-lhes publicamente a pecha de “fantasias”.
* Publicado originalmente no site IHU-Online.
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