Enquanto o governo brasileiro
demonstra otimismo em sediar o maior evento da Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre sustentabilidade, a Rio+20, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina
Silva denuncia a pauta "esvaziada" de temas ambientais da conferência
que vai ocorrer entre 20 e 22 de junho.
A ex-senadora e líder
socioambiental não poupou críticas ao governo Dilma Rousseff, que classificou
como o pior dos últimos 20 anos em relação ao meio ambiente. Segundo Marina,
que disputou as eleições presidenciais em 2010, em apenas um ano de gestão da
petista o Brasil amargou importantes retrocessos na política ambiental.
"Estamos vivendo hoje, em um ano do governo Dilma, uma situação de claro
retrocesso em relação a tudo que foi feito ao longo dos últimos 20 anos",
afirmou. Ela citou como exemplos a votação
do Código Florestal, que "diminui a proteção integral, amplia o
desmatamento sobre áreas preservadas e beneficia o desmatador" e as
restrições à atuação do Ibama. Marina ainda lamentou a "fraca"
atuação do Ministério do Meio Ambiente que, segundo ela, "trabalha para
fortalecer a agenda dos que lhe são contrários". Confira:
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Vinte
anos após a realização da Eco-92 no Rio de Janeiro, a senhora considera que
houve avanço concreto em relação à preservação do ambiente?
MARINA SILVA: O maior avanço
foi o aumento da consciência das pessoas. Vinte anos atrás, o nível de
consciência que as pessoas tinham sobre reciclagem, proteção das florestas,
mudanças climáticas e uma série de outros temas era muito menor. Isso possibilitou que fosse
criada uma base de sustentação política para a formatação de várias leis
importantes no Brasil que não teriam se sustentado ao longo desses 20 anos se
não fosse a ampliação da consciência e do senso de responsabilidade que as
pessoas passaram a ter em relação aos recursos naturais. Graças a isso, temos um dos
melhores arcabouços legais sobre o meio ambiente e o País é signatário de todas
as convenções importantes, como a Convenção do Clima e da Biodiversidade.
Agora, precisamos estar atentos que estamos vivendo hoje, em um ano do governo
Dilma, uma situação de claro retrocesso em relação a tudo que foi feito ao
longo desses 20 anos.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A
senhora considera o Código Florestal um retrocesso?
MARINA SILVA: O Código
Florestal é o maior de todos os retrocessos, mas o retrocesso está em toda
parte. Está na flexibilização da legislação em vários aspectos, como, por
exemplo, na remoção de uma série de cuidados legais em relação à proteção das
cavernas. Assim que nós saímos do governo
foi feito um decreto que mudou a forma de proteção das cavernas para facilitar
a mineração. Já o Código Florestal é um
verdadeiro show de retrocessos porque diminui a proteção integral, amplia o
desmatamento sobre áreas preservadas e beneficia o desmatador.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Esse
retrocesso se refere às políticas adotadas por Dilma em comparação com outros
presidentes?
MARINA SILVA: Sim, do
primeiro ano de Dilma no poder em relação aos últimos governos, desde a
Constituição de 1988. Nesse período, os governos, com mais ou menos
dificuldade, fizeram avanços. Esse é o primeiro governo que só se tem
retrocessos. É o Código Florestal que foi
transformado em um código agrário, é a redução das competências do Ibama para
fiscalizar o desmatamento, a flexibilização do processo de licenciamento
ambiental, que passa a ser muito mais um processo político do que técnico para
dizer se os projetos de infraestrutura são viáveis ou não. Além disso, temos uma ação do
Congresso sem nenhuma articulação do governo como era feito em gestões
anteriores. Antes a sociedade pressionava e, de certa forma, ajudava os
governos no sentido de dar respaldo para não deixar os retrocessos acontecerem
no Congresso. Dessa vez, a própria base do governo opera para viabilizar o
retrocesso. (...) Obviamente que é o primeiro ano do governo e os erros ainda
podem ser corrigidos.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: O
governo já demonstrou interesse em adiar a votação do Código Florestal para
depois da Rio+20. O que a senhora acha disso?
MARINA SILVA: Isso já foi
dito para o governo: nós vamos chegar na Rio+20 como se fosse Rio-20. No lugar
de estarmos avançando na agenda ambiental, estaremos retrocedendo. Por isso que
o mais sensato é deixar essa discussão para depois, para que possamos dialogar,
pensar, e não permitir que todo o esforço conquistado ao longo dos últimos anos
venha a ser removido como está sendo feito. O pior é que essa desconstrução é
feita em cima dos ganhos, porque o Brasil passou a ter uma imagem boa lá fora.
Ao mesmo tempo em que fala dessa imagem boa, o governo mina as bases que deram
sustentação a tudo isso.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Atrasar
a votação para depois da Rio+20 para evitar constrangimentos não seria pior?
MARINA SILVA: Depende, se o
governo quiser chegar com uma agenda campeã de retrocessos, se for esse o
objetivo do governo, não entendo por que seria constrangedor. Para mim, constrangedor ao
Brasil, que tem liderado uma agenda de redução das emissões de gás carbônico e
de desmatamento, que assumiu metas na Convenção das Mudanças Climáticas, que
conseguiu dar uma contribuição importante na redução da perda da
biodiversidade, principalmente durante o governo do presidente Lula, que criou
mais de 24 milhões de hectares de conservação, é chegar lá tendo minado as
bases legais que poderiam levar o País a outro modelo de desenvolvimento. Constrangimento é mudar o teste
ao invés de se propor a passar no teste.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A
senhora acredita que a presidente possa vetar o Código Florestal, caso ele seja
aprovado pelos parlamentares da forma como está proposto?
MARINA SILVA: Pelo menos 80%
da sociedade, segundo pesquisas, não quer esse código. Na campanha ela assumiu
o compromisso de vetar qualquer projeto que significasse aumento no
desmatamento e anistia a desmatadores. A mobilização da sociedade ajuda
a dar mais respaldo político para esse veto, mas é claro que seria melhor que
todos os problemas fossem corrigidos no Congresso, para que a presidente não
precisasse criar uma situação incômoda com os parlamentares. Qualquer governo precisa ter uma
postura de alinhamento com sua base de sustentação, mas até esse momento se
apostou no "quanto pior, melhor". O que prevalece até agora é que o
compromisso da presidente não foi respeitado na tramitação do projeto no
Congresso. Espero que a sociedade de respaldo político para que ela vete esse
código.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Como a
senhora classifica a atuação da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira,
frente às discussões para a Rio+20 e o debate do Código Florestal?
MARINA SILVA: É a primeira
vez que vejo um Ministério do Meio Ambiente sem operar na direção de fortalecer
sua agenda, atuando muito mais no sentido de fortalecer a agenda daqueles que
lhe são contrários. A sociedade busca uma
interlocução direta, com o ministro Pallocci, na época dele, e agora com o
secretário Gilberto Carvalho, porque não encontra mais no Ministério do Meio
Ambiente um espaço de interação que promova a agenda ambiental.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: O
governo Dilma teria influência no que os cientistas classificam como uma pauta
esvaziada de temas ambientais para a Rio+20?
MARINA SILVA: O país que
sedia tem uma influência em qualquer conferência. Por incrível que pareça, em
1992 tinha-se uma agenda de incentivo a agenda socioambiental. Em 2012 houve um tencionamento
para exilar os temas ambientais e transformar a conferência que nasce sobre a
égide de uma crise global sem precedentes no clima, na biodiversidade, na
desertificação, em uma agenda puramente econômica e social. Como se tratar os problemas
econômicos e sociais fosse incompatível com tratar os problemas ambientais. Só
haverá uma solução sustentável para os problemas econômicos e sociais quando os
danos ambientais forem resolvidos, porque o planeta já está colapsando. Os cientistas estão muito certos
em afirmar que houve um esvaziamento proposital da conferência e isso é muito
coerente com o retrocesso que está acontecendo aqui. Juntando isso com a crise
econômica, os demais países e a Organização das Nações Unidas acabaram entrando
nessa proposta esvaziada.
Ambiente Já
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