domingo, 6 de maio de 2012

Agrotóxicos: somos alvos vulneráveis


Ao completar 22 anos do Decreto Federal Nº 98.816, de 1990, que regulamentou primeiramente a Lei dos Agrotóxicos, o grande avanço certamente é a ampliação da consciência da sociedade em torno dos grandes problemas ambientais que ainda é o uso indiscriminado de venenos agrícolas e, precisa ser traduzida em ações pelo poder público.

Nas últimas décadas, o meio ambiente vem sofrendo profundas modificações decorrentes do processo da modernização agrícola. Esta se deu através de políticas dirigidas principalmente ao desenvolvimento das monoculturas destinadas à exportação. Tais políticas se fazem sobre a orientação e interesse do grande capital nacional e internacional. Como decorrência desta atuação do Estado, amparado ainda por legislação que pouco se preocupou e se preocupa, em proteger a saúde ambiental e das populações envolvidas, o ambiente tem sido encarado como uma fonte inesgotável de recursos, com capacidade ilimitada para suportar os despejos químicos e as modificações antrópicas derivadas do processo agrícola.

A população está exposta à grande quantidade de substâncias químicas potencialmente perigosas à saúde, entre estas, estão os venenos agrícolas, utilizados cotidianamente, inclusive nas áreas urbanas. Há poucos anos, várias patologias como câncer, doenças respiratórias, neurológicas, transtornos de conduta e más formações congênitas, eram consideradas doenças de “causas” desconhecidas. Pesquisas na área de Saúde Ambiental, que estudam os impactos do ambiente na saúde humana, vêm revelando o ambiente como fator importante no processo de determinação dessas patologias.

O termo “defensivo agrícola” tem sido empregado por fabricantes, distribuidores, vendedores, técnicos incentivados pelo setor produtivo industrial, que desejam minimizar o reconhecimento de sua nocividade. Até hoje, o setor industrial investe nesta denominação, busca e influencia a política agrícola para o uso intensivo desses venenos. A denominação de “veneno”, de emprego popular, é o mais adequado. O termo agrotóxico é mais ético, honesto e esclarecedor, tanto para agricultores como para consumidores.

O saber leigo tem demonstrado a percepção que o senso comum tem a respeito dos efeitos na saúde humana e dos animais, já que são vitimas diretas da exposição. O termo “remédio“, também popularizado, é empregado, para denominar os venenos de uso doméstico. Independente da denominação que estes venenos recebam, na realidade, são “biocidas” inespecíficos, cuja ação não se restringe ao âmbito de determinadas espécies de pragas, mas atuam sobre todos os organismos vivos, incluindo aí o ser humano em suas estruturas orgânica e funcional.

Se, sobre hipótese alguma os venenos agrícolas põem em risco a saúde humana, como pode ser admitida a utilização colocando em risco de intoxicações consumidores e/ou trabalhadores expostos? A exposição direta ocorre quando os venenos agrícolas entram em contato direto com a pele, olhos, boca ou nariz. Os acidentes pela exposição direta ocorrem com os trabalhadores que manuseiam ou aplicam venenos agrícolas. Na NR 31, definem-se ”trabalhadores em exposição direta,” aqueles que manipulam os venenos agrícolas e afins, em qualquer uma das etapas de armazenamento, transporte, preparo aplicação, destinação e descontaminação de equipamentos e vestimentas.

A exposição indireta ocorre quando as pessoas, que não aplicam ou manuseiam venenos agrícolas, entram em contato com plantas, alimentos, roupas ou qualquer outro objeto contaminado. Na NR 31, consideram-se “trabalhadores em exposição indireta”, aqueles que não manipulam diretamente os venenos agrícolas, coadjuvantes e produtos afins, mas circulam e desempenham atividades em áreas vizinhas às locais em que são manipulados produtos em qualquer uma das etapas citadas e ainda, os que desempenham atividades em áreas recém-tratadas.

A utilização de venenos agrícolas tem se dado de várias formas, dependendo do ambiente onde é executada a aplicação, ocorrendo no ambiente rural, urbano, no interior de habitações e até em veículos de transporte.
A contaminação por venenos agrícolas deve despertar atenção crescente, devido suas consequências para a saúde humana e a degradação do meio ambiente, causadas por seu uso crescente e inadequado.

Os prejuízos causados pelos venenos agrícolas, por seu uso inadequado, extrapolaram o interesse econômico, ganhando dimensão social, pois ao prejudicarem a saúde humana, demandam verbas públicas e privadas, para os atendimentos médicos hospitalares.

O uso dos venenos agrícolas é caso típico de externalidade negativa, onde um ou mais produtores e/ou aplicadores são as fontes, e um ou mais consumidores e/ou cidadãos são os receptores das externalidades.
Aplicadores de venenos agrícolas utilizam pulverizadores costais manual, geralmente a aplicação é feita na maior parte das vezes sem o uso de “Equipamento de Proteção Individual”.

O uso indiscriminado de venenos agrícolas resulta em níveis severos de poluição ambiental e intoxicação humana, pois grande percentagem dos agricultores, aplicadores, desconhece os riscos a que se expõem e, consequentemente, negligenciam normas básicas de saúde e segurança. Os lobbies dos fabricantes de venenos agrícolas é tal, a ponto de transferirem sua irresponsabilidade, que a responsabilidade pelas intoxicações é do usuário mal preparado e que a sua educação para o uso adequado é a verdadeira solução para reduzir os riscos.

Os índices de consumo de venenos agrícolas, apresentados como desproporcionais em relação aos índices de produção, demonstram a ineficiência dos atuais sistemas de controle dos venenos agrícolas, dentre estes o receituário agronômico. Além dos perigos aos seres humanos, nos aspectos ocupacionais, alimentares e de saúde pública, sabe-se que a introdução de agrotóxicos no ambiente pode provocar efeitos indesejáveis, tendo como consequência mudanças no funcionamento do ecossistema afetado.

O uso intensivo de venenos agrícolas aplicados irresponsavelmente, combinado com as monoculturas, destrói a biodiversidade e comprometem os recursos naturais para as presentes e futuras gerações. Enquanto a comercialização dos venenos agrícolas é relativamente regulamentada e controlada por legislação específica, embora precariamente fiscalizada, os venenos domésticos não contam com o rigor da lei, são livremente comercializados em mercados, comércio informal. Os meios de comunicação, propagandas têm dado a estes, a ideia falsa de inócuos, associando-os à proteção da saúde e do ambiente, utilizando-se de ícones de produtos naturais.

Atentem-se ainda, para o fato de que os diferentes biomas não respondem da mesma forma às ações que sobre eles executamos. O interesse econômico em vender os venenos agrícolas, produzidos pelas multinacionais e não perder a produção, pelos agricultores, prevalece sobre a preocupação com a saúde, inclusive com a saúde dos consumidores de produtos agrícolas. A culpa é da vitima, que não teve cuidado, por que tem sangue fraco, porque está exposto desde criança, porque deu azar.

Estamos expostos aos venenos agrícolas, por vias ambientais, em nossas casas, escolas, gramados, jardins, assim como pela alimentação e águas contaminadas, e por vias ocupacionais, durante nossa participação nas atividades laborais. A precariedade da forma com que, em geral, os venenos agrícolas são utilizados, bem como o uso simultâneo de vários deles, geralmente em grandes quantidades, aponta a existência de risco elevado que pode se tornar, num espaço de tempo curto, até mesmo de uma geração, problemas de gravíssimas consequências para a saúde pública e até para o desenvolvimento nacional.

A ignorância sobre o manejo adequado dos venenos agrícolas e as condições de vida do homem torna os trabalhadores do ramo, grupo prioritário para a implementação urgente de programas, com o objetivo de avaliar o impacto destes venenos sobre a saúde do homem e do ambiente nas diversas regiões, em particular naquelas com intensa atividade agrícola.

O desrespeito às normas de segurança, conhecimentos insuficientes sobre os perigos dos venenos agrícolas, a livre comercialização de produtos altamente tóxicos e a grande pressão comercial por parte das empresas produtoras e distribuidoras constituem as principais causas que levam ao agravamento do quadro.

Ainda a denominada “capina química” urbana, os riscos ocupacionais, ambientais e sanitários sobrepõem-se às suas possíveis vantagens, ainda porque a remoção dos resíduos após a capina são mantidos, e para que tenhamos resultados esperados, em termos de benefícios visuais, ambientais e a saúde pública, terão de ser removidos. É crime a conduta de utilizar venenos agrícolas, causando poluição, que resultem em danos à saúde humana, que provoquem a mortandade de animais, a destruição da flora.

Tem sido falado e proposto a respeito da melhor proteção do trabalhador rural, diretamente exposto à intoxicação por venenos agrícolas. O mesmo não pode ser dito, quanto à proteção das populações de organismos vivos, em geral, e humanas, em especial, indiretamente expostas por meio da contaminação da água, do solo, de alimentos que contenham níveis perigosos de resíduos de venenos agrícolas, estes estão potencialmente sujeitos a efeitos crônicos de exposição continuada a múltiplos agentes.

A utilização maciça de venenos agrícolas, em grande escala, os efeitos tóxicos não se limitam única e exclusivamente aos alvos a que se destinam, mas apresentam risco à saúde humana e animal, ao meio ambiente. O monitoramento constante do impacto da utilização de venenos agrícolas na saúde humana e no meio ambiente deve ser o objetivo a ser alcançado.

A falta de políticas efetivas de fiscalização no acompanhamento técnico e no controle dos venenos agrícolas no Brasil, e integrado no mercado globalizado, revela que o parâmetro que interessa aos tomadores de decisão é apenas o da produção. A saúde e o ambiente estão longe de uma atenção adequada.

É importante ressaltar que as ações para evitar os danos à saúde do trabalhador, não tenham como enfoque exclusivo o trabalhador, no sentido de capacitá-lo para cada vez mais utilizar venenos agrícolas, mas principalmente oferecer condições para que o produtor tenha disponíveis alternativas para o controle dos organismos que venham diminuir a produção. Assim, poderia ser carreado maior aporte de recursos, não só para a diminuição da toxicidade dos venenos, mas também a busca de alternativas agroecológicas de produção.

São necessários estudos que avaliem os reais benefícios do uso dos venenos agrícolas, confrontando-os com os resultados obtidos nas alternativas agrícolas não tradicionais, como a agroecologia. Podemos tomar como exemplo estudos importantes realizados por países em desenvolvimento, que incorporam as variáveis ambientais e da saúde humana, no cálculo dos custos do uso dos venenos agrícolas. No Brasil, estudos dessa natureza são incipientes, como o programa específico para a racionalização dos venenos agrícolas.

Esperamos que programas, que representem avanços na agenda da pesquisa brasileira, venham a efetivar as medidas necessárias de uso, manejo e de informação dos venenos agrícolas no campo da saúde.

Julio Cesar Rech Anhaia - EcoDebate

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