Ele parece pequeno e inofensivo –
branco e com apenas oito centímetros de tamanho. Mas o cigarro é visto como um
dos grandes males da saúde pública e repudiado como poucos produtos.
Mas quem o inventou e como essa
pessoa pode ser responsabilizada pelas inúmeras mortes provocadas pelo cigarro?
O cirurgião americano Alton
Ochsner lembra que, quando ainda era estudante de medicina em 1919, sua turma
foi chamada para assistir a uma autópsia de uma vítima de câncer de pulmão. Na
época, a doença era tão rara que os estudantes acharam que não teriam outra
chance de testemunhar algo parecido.
Quase um século depois, estima-se
que 1,1 milhão de pessoas morram por ano da doença. Cerca de 85% dos casos são
relacionados a apenas um fator: tabaco.
"O cigarro é o artefato mais
mortal da história da civilização humana", diz Robert Proctor, da
Universidade de Stanford. "Ele matou cerca de 100 milhões de pessoas no
século 20."
Fenômeno
Jordan Goodman, autor do livro Tabaco
na História disse que, como historiador, ele teve o cuidado de não apontar
o dedo a nenhum indivíduo, "mas na história do tabaco eu me sinto
confiante em dizer que James Buchanan Duke – conhecido como Buck Duke – foi
responsável pelo fenômeno do século 20 conhecido como cigarro".
Em 1880, aos 24 anos, Duke entrou
em um nicho da indústria do tabaco – os cigarros já enrolados. Uma equipe
pequena de Durham, no Estado da Carolina do Norte, enrolava a mão os cigarros
Duke of Durham.
Dois anos depois, Duke percebeu
uma chance de ganhar dinheiro. Ele começou a trabalhar com um jovem mecânico
chamado James Bonsack, que disse que poderia construir uma máquina para
fabricar cigarros.
Duke estava convencido que as
pessoas estariam dispostas a fumar os cigarros perfeitamente simétricos
produzidos pela máquina.
O equipamento revolucionou a
indústria do tabaco
"Trata-se, essencialmente,
de um cigarro de tamanho enorme, cortado em comprimentos apropriados, por
lâminas rotativas", diz Robert Proctor.
Mas, como as pontas ficavam
abertas, o tabaco precisava ser umedecido, para ficar rígido, e não cair do
cigarro. Isso era feito com ajuda de aditivos químicos, como glicerina, açúcar
e melaço.
Mas esse não era o único desafio.
Antigamente, as funcionárias enrolavam cerca de 200 cigarros por turno. A nova
máquina produzia 120 mil cigarros por dia – um quinto do consumo de todos os
Estados Unidos, na época.
"O problema é que ele era
capaz de produzir muito mais cigarros do que conseguia vender", diz
Goodman. "Ele precisava entender como conquistar esse mercado."
Marketing e publicidade
A resposta estava na publicidade
e no marketing. Duke patrocinou corridas, distribuiu cigarros gratuitamente em
concursos de beleza e colocou anúncios nas revistas da época.
Ele também percebeu que a
inclusão de figurinhas colecionáveis nas carteiras de cigarro era tão
importantes quanto trabalhar na qualidade do produto. Em 1889, ele gastou US$
800 mil em marketing (ou US$ 25 milhões, em valores de hoje em dia).
Bonsack ficou com a patente da
máquina, mas, em gratidão ao apoio de Duke, deu 30% de desconto no seu aluguel
ao industrial.
A vantagem competitiva – aliada à
promoção vigorosa – foi fundamental para o sucesso de Duke. Como suspeitava, as
pessoas gostavam dos cigarros feitos pela máquina. Eles tinham aparência mais
moderna e higiênica. Uma das campanhas enfatizava o fato de que cigarros
manuais eram feitos com contato da mão e da saliva de outras pessoas.
Mas, apesar de o número de
fumantes ter quadruplicado nos 15 anos até 1900, o mercado ainda era um nicho,
já que a maioria das pessoas mascava tabaco ou fumava usando cachimbos ou
charutos.
Duke – que também era fumante –
viu o potencial competitivo dos cigarros em relação aos demais produtos. Uma
das vantagens era a facilidade para acendê-los, ao contrário dos cachimbos.
"O cigarro, realmente, era
usado de forma diferente", diz Proctor. "E uma das grandes ironias é
que os cigarros eram considerados mais seguros do que os charutos porque eram
vistos como apenas 'pequenos charutinhos'."
Mas um elo direto com câncer de
pulmão não foi encontrado até 1957 na Grã-Bretanha e 1964 nos Estados Unidos.
Os cigarros chegaram a ser
promovidos como benéficos à saúde. Eles eram listados nas enciclopédias
farmacêuticas até 1906 e indicados por médicos para casos de tosse, resfriado e
tuberculose – uma doença que é agravada pelo fumo.
Moralidade
No começo dos anos 1900, houve um
movimento antitabagismo, mas ele estava mais relacionado à moralidade do que à
saúde.
O crescimento no número de
crianças e mulheres fumantes era parte de um debate sobre o declínio moral da
sociedade. Os cigarros foram proibidos em 16 Estados americanos entre 1890 e
1927.
A atenção de Duke voltou-se para
o exterior. Em 1902, ele formou a empresa britânica British American Tobacco.
As embalagens e o marketing foram ajustados para mercados consumidores
diferentes, mas o produto era basicamente o mesmo.
"Para ele, todos os cigarros
eram iguais. Toda a globalização que hoje nos é familiar, com marcas como
McDonalds e Starbucks – tudo isso foi antecipado por Duke e seus cigarros."
A indústria do cigarro continua
em expansão até hoje. Apesar de ela estar em queda em determinados países
desenvolvidos, no mundo emergente, a demanda por cigarros cresce 3,4% por ano.
Em números globais, a indústria ainda está crescendo.
A Organização Mundial da Saúde
alerta que, caso não sejam adotadas medidas preventivas, 100 milhões de pessoas
morrerão de doenças relacionadas ao tabaco nos próximos 30 anos – um número
superior à soma de vítimas da Aids, tuberculose, acidentes de carros e suicídios.
Mas Buck Duke pode ser
responsabilizado por isso? Afinal de contas, ninguém é obrigado a fumar.
Em um ensaio recente para a
revista Tobacco Control, Robert Proctor argumenta que todos na indústria
tabagista têm sua parcela de culpa.
"Nós temos que perceber que
anúncios podem ser cancerígenos, junto com as lojas de conveniência e até
farmácias que vendem cigarros. Os executivos que trabalham na indústria
tabagista causam câncer, assim como os artistas que desenham as carteiras e as
empresas de relações públicas e marketing que lidam com essas contas", diz
Proctor.
Buck Duke morreu em 1925, antes
da era dos grandes processos e da responsabilização do tabaco por doenças como
câncer de pulmão.
"Eu não o culparia pelo
[crescimento do] consumo de cigarros", diz Bob Durden, que é biógrafo do
industrial. Ele aponta que Duke também foi responsável por ações positivas,
como doações de mais de US$ 100 milhões para o Trinity College, na Carolina do
Norte, que foi rebatizado de Duke University, em sua homenagem.
"Ele foi tanto um herói
quanto um vilão ", diz Goodman. "Buck Duke é um herói em termos de
sua compreensão do mercado e da psicologia humana, da formação de preço, da
publicidade. Nesse sentido, ele não é vilão. Mas ele fez o mundo fumar
cigarros. E os cigarros são o grande problema do século 20."
BBC BRASIL
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