Como se sentiria se soubesse que
duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular?
Os consumidores de telefones
celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República
Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.
Jean- Bertin, um congolense de 34
anos que denuncia o “silêncio absoluto” sobre os crimes cometidos em seu país
pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan
(columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos
64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para
designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
Da tantalita se extrai o tântalo,
metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente
à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de
produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em
aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos
outros. A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas
metem o nariz ali.
A extração de coltan contribui
para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de
cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos
últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido
pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que
confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos
naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”. Um
grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou cerca de 157
empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à
extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.
A exploração de coltan em dezenas
de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos
armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum
controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e
um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças.
No entanto, fontes da indústria,
como o Tantalum- Niobium International Study Center (TIC), alertam que as
jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de
serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse
mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana
e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as
maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e
ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.
A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro,
cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e
diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano
2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez
mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais.
O surgimento de novas fontes de
tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o
coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola
promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a
entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus
componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio
ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram
coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros.
Entretanto, fundações e empresas
dedicadas à reciclagem, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte
uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do
mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de
tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não
daria conta, disse uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e
reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento
das aplicações atuais do tântalo.
Apple e Intel anunciaram, em
2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga.
Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página
corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais “não contenham
materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente”. Na verdade, os
códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.
O esforço maior é o das
Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as
nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan
congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais
explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como
Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.
Os grupos rebeldes proliferam
pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro. Os governos vizinhos são
cúmplices e até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas
beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas. Há muitos interesses econômicos
em torno do negócio do coltan. Enquanto isso, na RDC as matanças são reais. O
sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse.
A Comissão de Valores dos Estados
Unidos (SEC) regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e
Reforma de Wall Street, referente aos “minerais de conflitos”. A Lei 1.502
estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a
entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de
produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo,
tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a
análise da cadeia de fornecimento.
Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo
considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os
crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de
uma missão de paz da ONU.
TERRAMÉRICA
Nenhum comentário:
Postar um comentário