"Financeirização da economia está na raiz da crise"
Em entrevista ao Floresta do Meio
do Mundo, a ativista indiana Vandana Shiva fala sobre suas expectativas em
relação a Rio+20. Ela não acredita que a conferência da ONU consiga firmar
compromissos de mudanças mais significativas em função da influência das
grandes corporações. Neste cenário, defende, o papel da Cúpula dos Povos
adquire maior importância. Para Vandana Shiva, a crise atual não poderá ser
resolvida com mais financeirização e mais mercantilização.
Vandana Shiva, que participará da
Rio+20 e da Cúpula dos Povos, é a autora do livro ‘The Violence of Green
Revolution’ de 1991 (A Violência da Revolução Verde), uma leitura
obrigatória para o debate sobre a produção agrícola alterada pela ‘Revolução
Verde’; ‘revolução’ que trouxe para o plano agrícola a lógica que impôs o uso
de pesticidas e sementes transgênicas, dentre muitas outras modificações, que
Vandana explora profundamente em seu livro, infelizmente ainda sem tradução
para o português.
Ela é defensora dos direitos
humanos e do meio ambiente, os quais infelizmente muitas vezes são defendidos
como causas separadas, mas que possuem intrínseca conexão pois os dois são
explorados, cada um a sua forma, pela lógica econômica capitalista.
Vandana trabalha por uma economia
verde sem dogmas e não foge ao debate sobre questões necessárias para barrar o
avanço da situação que se encontram tanto trabalhadores, como natureza. A
ativista também levanta a bandeira da situação das mulheres indianas, da
segurança alimentar e da preservação dos povos e culturas locais. É fundadora
da ONG indiana Navdanya, que, entre outras agendas, estimula a agricultura
orgânica local.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Infelizmente
seu livro "The Violence of Green Revolution" não foi traduzido para o
português até hoje. Você poderia trazer ao nosso leitor uma exposição dá época
em que ele foi escrito juntamente de uma análise dos desdobramentos que se
deram dos anos 80 pra cá em relação as perdas da agricultura, não só na Índia
como nos outros países.
VANDANA SHIVA: Comecei a fazer a
pesquisa sobre a violência da Revolução Verde em 1984, ano da violência no
Punjab, onde a Revolução Verde foi implementada pela primeira vez em 1965. A
Revolução Verde teve um Prêmio Nobel da Paz, mas em 1984, Punjab era uma terra
de guerra. 30.000 pessoas foram mortas pela violência em Punjab, que é um
número 6 vezes maior do que os mortos na tragédia do 11/9. O ano de 1984 foi
também o ano do desastre de Bhopal, onde uma fábrica de pesticidas, da ‘Union
Carbide’ (hoje Dow), vazou e matou 3.000 pessoas. Desde então, 30.000 pessoas
morreram. Hoje a Índia é a capital da fome e dos suicídios de agricultores.
Desde 1997, 250.000 agricultores foram presos por dívidas e tiraram suas vidas.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A
senhora traçaria um paralelo entre o modo de produção voltado ao abastecimento
e especulação do mercado, as reservas naturais e as condições que se encontram
a mão de obra trabalhadora no seu país? Outras regiões do mundo trariam
condições semelhantes?
VANDANA SHIVA: O modelo econômico
dominante desperdiça recursos e pessoas. Apesar destes resíduos serem chamados
de "eficiente" e "produtivo". Ele substituiu a produção com
a especulação do capital financeiro, e do consumismo para as pessoas. Este
modelo é: destruir a natureza e a sociedade em si.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Reformas
ou Revolução? O que e o porque a senhora acredita ser necessário para impedir o
avanço da situação de degradação das condições tanto humanas quanto naturais
contemporâneas?
VANDANA SHIVA: Duas coisas são
necessárias para acabar com essa deterioração. Em primeiro lugar, uma mudança
de paradigma e visão de mundo. Em segundo lugar, as pessoas levantarem-se
coletivamente e dizer "Basta". Chega.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A
senhora terá a oportunidade de participar da Rio+20 e da Cúpula dos Povos.
Quais seriam na sua opinião, as limitações e as contribuições que cada uma
delas poderão nos trazer?
VANDANA SHIVA: A Rio+20 será limitada
em firmar compromissos em função da influência das grandes corporações. Essas
contribuições podem ser significativas, se reconhecerem a necessidade de
restabelecer a harmonia com a natureza - objeto de uma sessão da Assembleia
Geral das Nações Unidas no ano passado - e se reconhecerem que a agricultura
ecológica é o caminho para a proteção do planeta e da Segurança Alimentar. A
Cúpula dos Povos, os Direitos da Mãe Terra, e o compromisso para uma
transformação serão vitais.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Não
haveria uma lógica comum entre os mecanismos financeiros criados em torno da
questão ambiental e ativos financeiros comuns? Esta mesma lógica é capaz de
lidar com problemas ambientais, criados muitas vezes por ela própria? O que a
senhora poderia falar sobre este assunto?
VANDANA SHIVA: Há um provérbio
africano que diz: "Você não pode colocar um bezerro dentro de uma vaca
bezuntando-o com lama". A financeirização da economia e a consequente
redução da economia a um casino, e os recursos do planeta e processos em
mercadorias privatizadas, são a a raiz das crises ecológicas e econômicas.
Estas crises não podem ser resolvidas por mais financeirização e
mercantilização.
Ana Paula Salviatti - http://www.cartamaior.com.br