Em 1967, o milionário americano
Daniel Ludwig começou a formar um autêntico império no meio da selva amazônica.
Passados mais de 45 anos, o Projeto Jari continua a ser um dos grandes desafios
ao Pará e sua experiência provoca interesse internacional, por estar executando
um manejo florestal considerado o maior do mundo.
Ludwig era um dos homens mais
ricos do mundo quando, aos 70 anos, assumiu o controle de uma empresa
extrativista de comerciantes portugueses estabelecidos em Belém, que, por sua
vez, incorporou o patrimônio de um famoso coronel (de barranco) José Júlio de Andrade,
em 1948.
Dezenas de diferentes títulos de
terras que vieram na transação deram a Ludwig a convicção de se ter tornado o
dono do maior latifúndio do planeta, com 3,6 milhões de hectares localizados no
vale do rio Jari, entre o Pará e o Amapá, próximo à foz do rio Amazonas.
Ludwig precisava desse território
para realizar seus dois maiores projetos: suprir o mundo faminto de fibra e de
grão, produzindo celulose (numa fábrica trazida do Japão pelo mar) e arroz
(empreitada que se frustrou). Mas quando a complexidade ou precariedade dos
documentos de terras do Pará se foi revelando, os assessores do milionário
chegaram à conclusão de que o império era menor. Talvez tivesse “apenas” 1,6
milhão de hectares, ainda no topo das maiores propriedades rurais do planeta.
Mas essas dimensões eram precárias.
Em 1976, a empresa entregou ao
Instituto de Terras do Pará 36 das suas dezenas de títulos. Esses papéis
permitiam transformar posse em propriedade definitiva, se confirmados pelo
governo. Um parecer do Iterpa concluiu que talvez a Jari tivesse direito a uns
300 mil hectares, não mais do que isso.
Quando o processo estava sendo
encaminhado, o Gebam (Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas), vinculado
ao então todo poderoso Conselho de Segurança Nacional, em pleno regime militar,
avocou o assunto. Só depois de 15 anos, por insistência do Iterpa, finalmente,
foi devolvido o processo, no qual não havia sido dado um único despacho.
Simplesmente hibernara em algum arquivo.
Passados quase 40 anos do início
do procedimento, ainda não é possível determinar com clareza o quanto é terra
realmente de domínio da empresa. Recentemente ela tentou chegar a 950 mil
hectares através de uma inusitada manobra num cartório do interior, sem
sucesso. A operação tentada era ilegal.
Agora é o poder público que busca
ajustar o plano da realidade ao formato legal. De um lado os órgãos do
executivo e o Ministério Público, atrás de uma solução nessa trama de décadas,
ou mesmo séculos. De outro lado, pela primeira vez com voz ativa. representantes
de 153 comunidades, com mais de duas mil pessoas, estabelecidas na área. A
história deixou de ser um monólogo da empresa, coadjuvada pelo governo federal,
que na maior parte do tempo a apoiou incondicionalmente.
Este processo foi interrompido
por uma recomendação de uma promotora de justiça para a suspensão de todas as
atividades da empresa, com o congelamento da vida produtiva e econômica nessa
região. Mas o governo acabou não acatando a recomendação. A situação é mais
complexa.
No Jari agora atuam duas empresas
do grupo Orsa, de São Paulo. Uma continua com a celulose, mas parou sua
atividade para mudar o produto: ao invés de ser insumo para a indústria de
papel e papelão, vai atender o mercado de tecidos. Outra empresa se dedica
apenas à madeira para a venda direta aos mercados nacional e internacional.
A Jari atua numa área de 965 mil
hectares, sendo 545 mil hectares (80%) de reserva florestal, sobrando 120 mil
hectares de floresta de eucalipto plantado em substituição à mata nativa, que
sofreu corte raso, com desmatamento total. Em 2009 começou o plano de manejo de
floresta nativa, considerado o maior de todos, visando a produção de madeira
comercial com a manutenção da floresta. De 2009 até junho deste ano, a Orsa
teve autorização legal para extrair 1,2 milhão de metros cúbicos de madeira, no
valor de 146 milhões de reais.
A Jari é o principal ator do
enredo. Mas agora há outros, que querem apenas extrair madeira. É atividade tão
intensa que o grande rio Paru chegou a ficar obstruído para a navegação por
causa da quantidade de jangadas de madeiras de uma só vez no seu leito.
É quase impossível que a
recomendação do Ministério Público alcance esses agentes. Eles continuam
praticamente imunes à repressão oficial, que mal consegue dar conta dos
compromissos assumidos com a Jari e os antigos moradores. O próprio MP
reconhece que há “um número significativo de madeireiras ilegais na região”.
Nunca, porém, o governo dispôs de tantas informações e providências para chegar
a uma solução justa para essa história.
A correção de rumos não é
simples. O governo federal concedeu tantos favores à Jari que o Banco do Brasil
e o BNDES lhe fizeram empréstimos de 500 milhões de dólares (valor não
corrigido) aceitando dupla hipoteca de terras tidas como de propriedade e contínuas,
quando não havia de fato essa garantia. O banco já aprovou um novo empréstimo
para a empresa, sem que a situação fundiária esteja esclarecida e os planos de
manejo confrontados com a realidade, na verificação de estarem realmente
merecendo o selo verde internacional que ostentam.
Assim são as coisas na Amazônia.