quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Uma selva de confusões

Em 1967, o milionário americano Daniel Ludwig começou a formar um autêntico império no meio da selva amazônica. Passados mais de 45 anos, o Projeto Jari continua a ser um dos grandes desafios ao Pará e sua experiência provoca interesse internacional, por estar executando um manejo florestal considerado o maior do mundo.

Ludwig era um dos homens mais ricos do mundo quando, aos 70 anos, assumiu o controle de uma empresa extrativista de comerciantes portugueses estabelecidos em Belém, que, por sua vez, incorporou o patrimônio de um famoso coronel (de barranco) José Júlio de Andrade, em 1948.

Dezenas de diferentes títulos de terras que vieram na transação deram a Ludwig a convicção de se ter tornado o dono do maior latifúndio do planeta, com 3,6 milhões de hectares localizados no vale do rio Jari, entre o Pará e o Amapá, próximo à foz do rio Amazonas.

Ludwig precisava desse território para realizar seus dois maiores projetos: suprir o mundo faminto de fibra e de grão, produzindo celulose (numa fábrica trazida do Japão pelo mar) e arroz (empreitada que se frustrou). Mas quando a complexidade ou precariedade dos documentos de terras do Pará se foi revelando, os assessores do milionário chegaram à conclusão de que o império era menor. Talvez tivesse “apenas” 1,6 milhão de hectares, ainda no topo das maiores propriedades rurais do planeta. Mas essas dimensões eram precárias.

Em 1976, a empresa entregou ao Instituto de Terras do Pará 36 das suas dezenas de títulos. Esses papéis permitiam transformar posse em propriedade definitiva, se confirmados pelo governo. Um parecer do Iterpa concluiu que talvez a Jari tivesse direito a uns 300 mil hectares, não mais do que isso.
Quando o processo estava sendo encaminhado, o Gebam (Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas), vinculado ao então todo poderoso Conselho de Segurança Nacional, em pleno regime militar, avocou o assunto. Só depois de 15 anos, por insistência do Iterpa, finalmente, foi devolvido o processo, no qual não havia sido dado um único despacho. Simplesmente hibernara em algum arquivo.

Passados quase 40 anos do início do procedimento, ainda não é possível determinar com clareza o quanto é terra realmente de domínio da empresa. Recentemente ela tentou chegar a 950 mil hectares através de uma inusitada manobra num cartório do interior, sem sucesso. A operação tentada era ilegal.

Agora é o poder público que busca ajustar o plano da realidade ao formato legal. De um lado os órgãos do executivo e o Ministério Público, atrás de uma solução nessa trama de décadas, ou mesmo séculos. De outro lado, pela primeira vez com voz ativa. representantes de 153 comunidades, com mais de duas mil pessoas, estabelecidas na área. A história deixou de ser um monólogo da empresa, coadjuvada pelo governo federal, que na maior parte do tempo a apoiou incondicionalmente.

Este processo foi interrompido por uma recomendação de uma promotora de justiça para a suspensão de todas as atividades da empresa, com o congelamento da vida produtiva e econômica nessa região. Mas o governo acabou não acatando a recomendação. A situação é mais complexa.

No Jari agora atuam duas empresas do grupo Orsa, de São Paulo. Uma continua com a celulose, mas parou sua atividade para mudar o produto: ao invés de ser insumo para a indústria de papel e papelão, vai atender o mercado de tecidos. Outra empresa se dedica apenas à madeira para a venda direta aos mercados nacional e internacional.

A Jari atua numa área de 965 mil hectares, sendo 545 mil hectares (80%) de reserva florestal, sobrando 120 mil hectares de floresta de eucalipto plantado em substituição à mata nativa, que sofreu corte raso, com desmatamento total. Em 2009 começou o plano de manejo de floresta nativa, considerado o maior de todos, visando a produção de madeira comercial com a manutenção da floresta. De 2009 até junho deste ano, a Orsa teve autorização legal para extrair 1,2 milhão de metros cúbicos de madeira, no valor de 146 milhões de reais.

A Jari é o principal ator do enredo. Mas agora há outros, que querem apenas extrair madeira. É atividade tão intensa que o grande rio Paru chegou a ficar obstruído para a navegação por causa da quantidade de jangadas de madeiras de uma só vez no seu leito.

É quase impossível que a recomendação do Ministério Público alcance esses agentes. Eles continuam praticamente imunes à repressão oficial, que mal consegue dar conta dos compromissos assumidos com a Jari e os antigos moradores. O próprio MP reconhece que há “um número significativo de madeireiras ilegais na região”. Nunca, porém, o governo dispôs de tantas informações e providências para chegar a uma solução justa para essa história.

A correção de rumos não é simples. O governo federal concedeu tantos favores à Jari que o Banco do Brasil e o BNDES lhe fizeram empréstimos de 500 milhões de dólares (valor não corrigido) aceitando dupla hipoteca de terras tidas como de propriedade e contínuas, quando não havia de fato essa garantia. O banco já aprovou um novo empréstimo para a empresa, sem que a situação fundiária esteja esclarecida e os planos de manejo confrontados com a realidade, na verificação de estarem realmente merecendo o selo verde internacional que ostentam.

Assim são as coisas na Amazônia.



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