O drama do código florestal mexe
frequentemente mais com o fígado do que com a cabeça, e vale a pena pegar
alguns dados básicos. E nada melhor do que ir para a fonte primária dos dados,
que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE.
A superfície do Brasil, como
todos aprendemos na escola, é de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
Em hectares, isto representa 850 milhões. Desta superfície total, descontando a
Amazônia distante, regiões demasiado secas do Nordeste ou alagadas do Pantanal,
temos uma parte apenas em estabelecimentos agrícolas, representando um total de
334 milhões de hectares. Descontando as áreas paradas dos estabelecimentos
agrícolas, temos 225 milhões de hectares de terras classificadas como “em uso”.
Muito interessante ver o que está
contido neste “em uso”. Basicamente, temos, como atividade relativamente
intensiva, a lavoura temporária, que ocupa 48 milhões de hectares, e a lavoura
permanente que ocupa 12 milhões. Incluindo matas plantadas, que ocupam 5 milhões,
temos um total de 65 milhões de hectares dedicados à lavoura, sobre um uso
total de 225 milhões. O que acontece com os 160 milhões restantes? Trata-se de
pasto, natural ou melhorado, mas consistindo essencialmente no que se chama de
pecuária extensiva. Ocupam 71% do solo agrícola em uso. Quase duas vezes e meio
a superfície da França.
Primeiro, que a pecuária ocupa o
solo de maneira extremamente pouco produtiva: A taxa de lotação em 1996 era de
0,86 animais/ha e foi de 1,08 animais/ha em 2006. Disto resulta que a atividade
que ocupa 71% do solo em uso do país participe com apenas 10% do valor da
produção agropecuária. Trata-se de uma gigantesca subutilização do solo
agrícola já desmatado.
O Censo também mostra que entre
1996 e 2006, houve uma redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com
matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários é interessante
cruzar este desmatamento com o fato que os maiores aumentos dos efetivos
bovinos entre os censos foram nas Regiões Norte (81,4%) e Centro-Oeste (13,3%).
As reduções do número de estabelecimentos com bovinos e dos rebanhos do Sul e
do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocou-se do Sul para o Norte do país,
destacando-se, no período, o crescimento dos rebanhos do Pará, Rondônia, Acre e
Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte, o rebanho mais que dobrou,
enquanto que em Mato Grosso o aumento foi de 37,2%.
A pecuária extensiva emprega
muito pouco. Em 2006 foram recenseados 17 milhões pessoas ocupadas em
estabelecimentos agropecuários, 19% do total. São os pequenos estabelecimentos
que geram mais empregos: Embora a soma de suas áreas represente apenas 30% do
total, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) responderam por
84,36% das pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada
um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos utilizam
12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e 2000
ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000
ha).
Outro ponto importante, a
concentração do controle da terra continua absurda: Os resultados do Censo
Agropecuário 2006 mostram que a estrutura agrária brasileira, caracterizada
pela concentração de terras em grandes propriedades rurais não se alterou nos últimos
20 anos. Basicamente 50 mil estabelecimentos com mais de 1.000 hectares, ou
seja, 1% do total de estabelecimentos, concentram 43% da área (146,6 milhões de
hectares).
São os que mais subutilizam a
terra. E como os grandes empregam pouco, gera-se a pressão sobre as cidades. A
questão do uso do solo e a contenção do desmatamento fazem parte do mesmo
problema da racionalidade do uso dos nossos recursos naturais e da estabilidade
dos trabalhadores da terra, tem a ver com todos nós, e não apenas com ruralistas.
As conclusões são relativamente
óbvias. Dada a imensa subutilização das terras já desmatadas, é simplesmente
absurdo exigir mais desmatamento. O desmatamento está se dando em áreas vulneráveis
(a maior expansão da pecuária está nas bordas da Amazônia), e mantem o ciclo
destrutivo. O ciclo agrícola deve conjugar os objetivos de produção, emprego e
preservação do capital-solo e dos recursos naturais. Claramente o caminho é o
da intensificação tecnológica, capacitação e apoio ao pequeno e médio
agricultor, levando a um aproveitamento melhor e mais limpo do solo agrícola já
usado, e apropriação maior de terras já desmatadas e subutilizadas pela
pecuária extensiva.
Os dados do Censo mostram elevado
nível de analfabetismo. Mais de 80% dos produtores rurais têm baixa
escolaridade. Mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de
agrotóxicos não recebeu orientação técnica. Não é de mais química e de mais desmatamento
que a agricultura precisa, e sim de um salto formação, de eficiência
tecnológica, social e ambiental. Temos os conhecimentos e recursos necessários.
É um novo século. Produzir não é apenas expandir, é melhorar. Meio ambiente não
é entrave, é oportunidade para um novo ciclo. E francamente, quando os grandes
do agronegócio se colocam em defesa do pequeno, devemos olhar melhor os
argumentos.
Ladislau Dowbor - Mercado Ético
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