Em homenagem ao Dia do Índio,
Andre Baniwa conversou com o blog FLORESTA DO MEIO DO MUNDO e me fez refletir
sobre os novos limites culturais e de informação entre os indígenas e a
sociedade moderna ocidental. Ao mesmo tempo em que muitos têm acesso a
universidades e tecnologias, a mortalidade infantil entre eles está bem acima
da média nacional. Se, por um lado, eles têm consciência de que as mudanças
climáticas são uma realidade, a metade deles sequer sabe que o mundo passa por
uma forte crise econômica. A diferença entre os povos indígenas compõe o
cenário de diversidade – e de desigualdade – presente em todo o território
nacional e nos leva a questionar: afinal, o que é ser índio hoje?
André Baniwa é índio, militante e
vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Ele é um exemplo de que
os limites culturais entre os indígenas e a sociedade ocidental têm se
transformado e defende que só a educação é capaz de garantir a qualidade de
vida das futuras gerações indígenas. Enquanto acesso a tecnologia e a
universidades fazem parte da vida de alguns povos, outros enfrentam altas taxas
de mortalidade infantil e sequer sabem o que é uma crise econômica.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Ao
mesmo tempo em que existem índios como você, que interagem com a sociedade
ocidental e participam ativamente dela, cerca de metade dos povos indígenas
ainda permanece isolada do contato com os brancos. É possível estabelecer essa
interação e ao mesmo tempo preservar a identidade?
ANDRÉ BANIWA: Nós entendemos que
hoje a realidade é diferente. O Rio Negro tem mais de 300 anos de contato com a
sociedade ocidental. Muitas tradições já deixaram de ser usadas e precisam ser
fortalecidas, mas não acabaram, elas estão na memória. Eu sempre digo aos
antropólogos que, hoje, já não é possível viver só do que é nosso, precisamos dos
conhecimentos do ocidente, assim como dos nossos conhecimentos. Estamos
interessados em tecnologias, em conhecimento que vem de fora, em aprender o que
é o nosso direito. No Rio Negro, muitas lideranças estão lutando por isso e não
é desejo desses povos viver isolados. O sentido é vivermos juntos, um
respeitando o outro, isso é mais importante. No meu município, que já é
centenário, 95% da população é indígena, mas não são os indígenas que têm
gerenciado o local. Com o contato que tivemos com os colonizadores, o que vem
de fora é que tem sido valorizado. Agora estamos conscientes e decididos que,
por mais que sejamos diferentes, temos nossa cultura e queremos ter
oportunidades de mostrar o indígena, de trabalhar, coordenar e dirigir a
comunidade. A tentativa é, cada vez mais, tirar a imagem negativa que se tem
sobre os índios e adequar as políticas públicas.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Você
luta muito pela questão da saúde indígena, essa ainda continua sendo uma
questão grave do contato dos brancos com os índios?
ANDRÉ BANIWA: O que fica bem
claro nessa área da saúde é que os serviços não estão organizados, não há
infraestrutura suficiente para trabalhar na prevenção, mesmo de doenças já
conhecidas no Brasil. Ainda temos índices altos de mortalidade infantil, acima
da média nacional. Estamos trabalhando para que a medicina ocidental e a
tradicional andem juntas.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Quais
são as grandes ameaças atuais aos povos indígenas?
ANDRÉ BANIWA: A ameaça constante
não está localizada aqui, está em Brasília, no Congresso Nacional, quando vemos
deputados anti-indígenas querendo rever os direitos dos índios. Hoje, as terras
demarcadas indígenas são uma das únicas maneiras de garantir a preservação da
floresta e evitar essa crise ambiental mundial, o aquecimento global e as
mudanças climáticas. Nós precisamos divulgar essas coisas boas dos indígenas,
porque isso é a garantia de sobrevivência das futuras gerações.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Você
usa termos como aquecimento global, mudanças climáticas e crise ambiental. Os
indígenas estão conscientes destas questões que preocupam o planeta?
ANDRÉ BANIWA: A gente está
consciente de que essas coisas acontecem, isso também está presente nas nossas
mitologias. Nesse âmbito de aliança pelo clima, desenvolvemos projetos que hoje
estão sendo reconhecidos e divulgados pelo Brasil como políticas de boas
práticas. Agora no dia 18 de abril, um seminário vai reunir a comunidade
científica e os pajés para conversar sobre qual é a visão dos povos indígenas
sobre as mudanças climáticas e o que dizem os cientistas. A partir desse
diálogo vamos pensar na política pública do estado e dos municípios. A maneira
como vocês lidam com a natureza pode ser uma boa lição para o planeta... É
verdade. Nosso conhecimento vem da natureza, nós entendemos que ela é fonte de
sabedoria, de tratamento. Ela tem um espírito. Pedra, peixe, floresta, água,
cada um desses seres tem vida. E os povos indígenas se preocupam em fazer
manejo. A mensagem que queremos deixar para o mundo inteiro é que se a
sociedade explora a natureza sem um planejamento de uso sustentável dos
recursos naturais, não haverá outro destino senão esse de que o mundo está indo
para um abismo sem volta. As histórias da ciência, da Bíblia e da nossa
mitologia têm demonstrado isso. Todos devem parar de pensar em si próprios, sem
se interessar com quem vem depois. E depois vêm os filhos, os netos e as
gerações que continuam. Isso deve ser pensado antes de mexermos com a Terra.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Segundo
a FUNAI, dos 230 povos indígenas que existem no país, pelo menos a metade vive
quase que exclusivamente de caça e pesca. Enquanto isso, o mundo vive hoje uma
crise financeira. Como você enxerga essa diferença de realidade?
ANDRÉ BANIWA: Os povos indígenas
têm realidades diversas entre si. No mapa do Brasil, existem povos com
pequeníssima reserva de terras, como o povo Guarani e os Serenas, que vivem no
Centro Oeste e no Sul do país. Eles enfrentam problemas sérios nessas
situações. Já na Amazônia, muitos lugares não dependem do dinheiro e, sim, dos
recursos naturais para sobreviver, então para eles a crise econômica não tem
sentido. E o nosso conceito de pobreza é diferente. Por mais que não tenham
calçado, camiseta, uma série de coisas, o índio decide em que hora vai brincar,
quando vai trabalhar, quando vai descer para andar na praia... A vida é
completamente diferente, mais tranqüila, não existe problema de agenda. Eu
conheço essa realidade e hoje que estou na gestão da prefeitura, vejo que essa
vida simples é muito melhor.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Atualmente,
a população indígena cresce mais do que a média nacional. Ao mesmo tempo, 5 mil
índios frequentam universidades e já existem 20 mil professores indígenas. Que
tipo de preocupações precisamos ter em termos de cuidados com as futuras
gerações indígenas?
ANDRÉ BANIWA: A educação é uma de
compreensão nossa sobre o que é o mundo, sobre como tratamos dos nossos
direitos, como cuidamos das pessoas. É um caminho que nos ajuda a nos
defendermos melhor e quando compreendemos o Estado brasileiro, certamente
saberemos propor mudança para vivermos melhor. Somos indígenas e somos
brasileiros e não é preciso deixar de ser nem um nem outro.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: E o
que é ser índio hoje?
ANDRÉ BANIWA: Ser índio é
conhecer a própria cultura, as tradições e manter sua identidade, sem deixar de
conhecer o Estado brasileiro, a cultura e a tradição da nação. Assim, a pessoa
fica mais fortalecida culturalmente. Queremos ter uma vivência intercultural do
país e ser respeitados. Apesar de a lei dizer isso, a prática é bem mais
difícil.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: O que
poderia ser feito para que os índios fossem incluídos na sociedade em que
vivemos sem perder sua identidade?
ANDRÉ BANIWA: Inclusão é uma
forma de dizer, em outras palavras, integração. Parece que ser pobre é um
problema para o Estado e para o sistema. É como se eles dissessem “aqui é
melhor, vocês têm que vir para cá”, e não é esse o sentido. Corremos esse risco
o tempo inteiro. Mas eu acho válida a tentativa do Brasil de cuidar de seu
povo. Nossas tradições precisam continuar e a palavra certa é respeito.
estão dizendo q a população indígena esta crescendo verdade isso ?
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