Os números deveriam encher os
olhos de qualquer economista. O valor econômico das florestas do mundo
contribui com uma cifra equivalente a US$ 4,7 trilhões, segundo os cálculos
divulgados pelo gerente executivo do Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, Caio Magri. Ele alerta, no entanto, que a incapacidade
dos governos de proteger, conservar e promover o uso sustentável dos recursos
da floresta quase elimina as oportunidades de lucro.
O assunto é foi um dos temas em
discussão no 6° Encontro do Fórum Amazônia Sustentável, encerrado nesta
sexta-feira (7) em Belém. Ainda que reconheçam os avanços na redução do
desmatamento, observadores chamam atenção para a falta de alternativa dos povos
que vivem nas florestas, mas de produtos não madeireiros, como a pesca e a
extração de frutos, sementes, óleos e resinas. Em pleno Pará, estado apontado
como um dos maiores desmatadores do país, comunidades tradicionais que dependem
do extrativismo ou da pesca ainda não encontraram uma alternativa sólida de
desenvolvimento.
Empresas de cosmético e de
medicamentos, por exemplo, têm se aproximado da região em formas de parceria,
mas a discussão sobre como mensurar o valor do conhecimento do uso de recursos,
que tem sido repassado entre gerações, ainda está distante do cotidiano dessas
pessoas que convivem com a contradição da abundância de recursos naturais e a
escassez de serviços básicos, como educação e saúde.
Falar hoje de repartição de
beneficio desses produtos e conhecimento é complicado porque é um tema que não
se discute abertamente nas comunidades. É uma discussão das empresas ou do
governo, mas as comunidades não sabem o que isso significa. Nas comunidades [do
Arquipélago de Marajó] não existe discussão. Se o debate não está claro em
cima, para as empresas e para o governo, como vai estar claro para as pessoas
que estão no campo, sem acesso à informação? Não tem internet, o sistema de
transporte é falho, não tem educação e saúde.
Muitas vezes atravessadores fazem
propostas de compra direta, com preços mais baixos. Muitas vezes, conhecimentos
sobre chás, banhos e outros “poderes das plantas”, repassados entre gerações
nas comunidades locais, são relatados, ingenuamente a pessoas de fora. O
resultado é que a sabedoria local, quando chega em território urbano, é
utilizada por grandes empreendedores como agregado de grande rentabilidade. Os
detentores do conhecimento, no entanto, na maior parte das vezes não dividem
esse lucro.
As empresas que chegam para
negociar vêm com planos de desenvolvimento prontos, sem saber o que queremos
desenvolver. Uma das principais investidoras da região, a empresa de cosméticos
Natura, garante que todo o processo de aquisição de produtos e conhecimentos
tradicionais locais são negociados previamente com as populações amazonenses.
Das 32 comunidades tradicionais com que a empresa mantém parceria, 25 estão na
Amazônia.
As comunidades ainda não conhecem
muito bem as leis. Tem grupos que estão mais articulados, mas muitas comunidades
não sabem como negociar seus produtos e conhecimento. Durante o Encontro do
Fórum Amazônia Sustentável, a porta voz da empresa assegurou que mantêm um
diálogo aberto com todos os grupos e que o trabalho acaba disseminando as
informações que as comunidades deveriam ter.
O setor privado mantém a crítica
sobre a atual lei de repartição de benefícios, regulada pela Medida Provisória
(MP) 2.186-16/2001, que regulamenta o acesso aos recursos genéticos e aos
conhecimentos tradicionais associados no Brasil. De acordo com o Movimento
Empresarial pela Biodiversidade – Brasil (Mebb) criado em 2010, a MP “é um
desestímulo à pesquisa e ao desenvolvimento de processos e produtos que façam
uso da biodiversidade brasileira”. Nos últimos dias, o movimento entregou uma
série de recomendações ao Ministério do Meio Ambiente para alterar as regras.
Não dá para pensar em inovação para uma
empresa ou para o Brasil com processos que ficam quatro a cinco anos parados
numa instância pública. Que inovação acontece? Se for esperar, não se faz nada.
Não tem perspectiva.
Para a promotora de Justiça do
Ministério Público Estadual do Pará (MPE-PA), Eliane Moreira, que acompanha os
conflitos na região de Marajó, a atual lei não é essencialmente inadequada. “A
pior inadequação dela é que foi feita sem a participação da sociedade civil e
sem debate dos setores interessados, mas existem quesitos positivos. Por
exemplo, a previsão de que pode haver benefícios que não são financeiros e que
estes benefícios têm que ser justos e equitativos”, disse ela. Os princípios
estão assegurados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
Em 2003, o governo federal tentou
estabelecer um diálogo entre sociedade civil e os setores privado, industrial e
de ciência e tecnologia, mas o debate não avançou. “Realmente é necessário ter
um marco legal que dê estabilidade para as relações e que não seja uma medida
provisória. É necessário que se recupere esse debate amplo”, disse a promotora,
relatando que existem prejuízos jurídicos – com a falta de consulta nas
questões que afetam os direitos dos povos tradicionais, e práticos – pela falta
de percepção das pessoas que vivem essas realidades.
Ainda assim, a promotora acredita
que por mais que falte clareza sobre procedimentos, as bases estão se
solidificando “com o consentimento prévio, a repartição dos benefícios e o
respeito aos direitos das comunidades”. Eliane Moreira reconhece que existe
burocracia, mas diz que hoje é melhor do que era no início.
(Fonte: Carolina Gonçalves/
Agência Brasil)
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