No dia 8 de outubro, o Brasil
tomou conhecimento, por carta dirigida ao governo e à Justiça Federal, de uma
declaração de “morte coletiva” de 170 homens, mulheres e crianças da etnia
indígena guarani-kaiowá, em resposta a uma ordem de despejo decretada pela
Justiça de Naviraí (MS), onde estão acampados às margens do Rio Hovy,
aguardando a demarcação das suas terras tradicionais, ocupadas por fazendeiros
e vigiadas por pistoleiros.
A Justiça revogou a ordem de
retirada de 170 índios Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso
do Sul. Em carta à opinião pública, eles apelaram: "Pedimos ao governo e à
Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte
coletiva e enterrar nós todos aqui. Nós já avaliamos a nossa situação atual e
concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.
A carta dos Guarani-Kaiowá foi
divulgada após a Justiça Federal determinar a retirada de 30 famílias indígenas
da aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é disputada por índios e
fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério Público Federal, em
Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por uma fazenda. O suposto
proprietário recorreu à Justiça.
Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que
saber interpretar a palavra dos índios: "Eles falam em morte coletiva (o
que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja,
se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em
tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela,
sem jamais abandoná-las”, diz a nota.
Dados do CIMI indicam que, entre
2003 e 2011, foram assassinados, no Brasil, 503 índios. Mais da metade – 279 –
pertence à etnia Guarani-Kaiowá. Em protesto, a 19 de outubro, em Brasília, 5
mil cruzes foram fincadas no gramado da Esplanada dos Ministérios, simbolizando
os índios mortos e ameaçados.
A Constituição abriga o princípio
da diversidade e da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às
terras habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido
demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é extremamente
morosa quando se trata dos direitos dos pobres e excluídos.
Um quarto de século após a
aprovação da carta constitucional, em 1988, as terras dos Guarani-Kaiowá ainda
não foram demarcadas, o que favorece a invasão de grileiros, posseiros e
agentes do agronegócio.
O argumento dos inimigos de
nossos povos originários é que suas terras poderiam ser economicamente produtivas.
Atrás desse argumento perdura a ideia de que índios são pessoas inúteis,
descartáveis, e que o interesse do lucro do agronegócio deve estar acima da
sobrevivência e da cultura desses nossos ancestrais.
Os índios não são estrangeiros
nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses –
equivocamente qualificados nos livros de história de "descobridores” – se
depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas
distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando hoje,
apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos entre 227
povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do território brasileiro.
Não adianta o governo brasileiro
assinar documentos em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento
sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos
direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.
Bem fez a presidenta Dilma ao
efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso.
Entre o agrado a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental,
a presidenta não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos coletivos.
Resta agora demonstrar a mesma
firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que
marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto
Genoma Humano.
Frei Betto - www.vermelho.org.br
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