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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A tragédia anunciada dos Guarani-kaiowá


No dia 8 de outubro, o Brasil tomou conhecimento, por carta dirigida ao governo e à Justiça Federal, de uma declaração de “morte coletiva” de 170 homens, mulheres e crianças da etnia indígena guarani-kaiowá, em resposta a uma ordem de despejo decretada pela Justiça de Naviraí (MS), onde estão acampados às margens do Rio Hovy, aguardando a demarcação das suas terras tradicionais, ocupadas por fazendeiros e vigiadas por pistoleiros.

A Justiça revogou a ordem de retirada de 170 índios Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso do Sul. Em carta à opinião pública, eles apelaram: "Pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.

A carta dos Guarani-Kaiowá foi divulgada após a Justiça Federal determinar a retirada de 30 famílias indígenas da aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é disputada por índios e fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério Público Federal, em Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por uma fazenda. O suposto proprietário recorreu à Justiça.

Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que saber interpretar a palavra dos índios: "Eles falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las”, diz a nota.


Dados do CIMI indicam que, entre 2003 e 2011, foram assassinados, no Brasil, 503 índios. Mais da metade – 279 – pertence à etnia Guarani-Kaiowá. Em protesto, a 19 de outubro, em Brasília, 5 mil cruzes foram fincadas no gramado da Esplanada dos Ministérios, simbolizando os índios mortos e ameaçados.

A Constituição abriga o princípio da diversidade e da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às terras habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é extremamente morosa quando se trata dos direitos dos pobres e excluídos.

Um quarto de século após a aprovação da carta constitucional, em 1988, as terras dos Guarani-Kaiowá ainda não foram demarcadas, o que favorece a invasão de grileiros, posseiros e agentes do agronegócio.

O argumento dos inimigos de nossos povos originários é que suas terras poderiam ser economicamente produtivas. Atrás desse argumento perdura a ideia de que índios são pessoas inúteis, descartáveis, e que o interesse do lucro do agronegócio deve estar acima da sobrevivência e da cultura desses nossos ancestrais.

Os índios não são estrangeiros nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses – equivocamente qualificados nos livros de história de "descobridores” – se depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do território brasileiro.

Não adianta o governo brasileiro assinar documentos em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.

Bem fez a presidenta Dilma ao efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso. Entre o agrado a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental, a presidenta não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos coletivos.

Resta agora demonstrar a mesma firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto Genoma Humano.

Frei Betto - www.vermelho.org.br

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