Estamos nos aproximando de mais
uma Conferência da ONU sobre Sustentabilidade, que novamente acontecerá no
Brasil (Rio+20), entre os dias 13 e 22 de junho, na qual as nações serão
instigadas a mudar a forma de produção mundial para buscar a sustentabilidade.
Mais do que um evento oficial, porém, a Conferência é um convite para que a
sociedade discuta “nosso futuro comum”, como já apregoava o Relatório
Brundtland, que propôs em 1987 o desenvolvimento sustentável (aquele que
satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de suprir suas próprias necessidades). O Instituto Akatu trabalha para
que o consumo consciente seja um dos mecanismos para se chegar ao novo modelo
de produção e estilo de vida para que se chegue a essa nova forma de desenvolvimento,
conforme disseram ao Floresta do Meio do Mundo sua diretora executiva, Ana
Maria Wilheim, e o coordenador de conteúdo Estanislau Maria.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A
economia verde e a governança para a sustentabilidade são os principais temas programados
para a Rio+20. Na sua opinião, a economia sustentável é viável? Há espaço para
uma governança para a sustentabilidade?
Ana Maria Wilheim – O
processo para construção de um novo modelo econômico é inevitável, já que o
atual modelo de produção e estilo de vida chegou ao limite. Desenvolvimento
sustentável não é mais uma questão de charme. Precisamos que o novo modelo se
paute por novas tecnologias e um sistema de produção de menor impacto e
preocupado com o ciclo de vida do produto. Nesse sentido, a Rio+20 é muito
oportuna como indutora para a economia verde, que precisa ser sustentável e
inclusiva, com erradicação da pobreza. O debate preparatório no Brasil já
incluiu esta dimensão. Já a governança para a sustentabilidade também é
inevitável. O desafio é criar espaços para institucionalizá-la. Embora não
tenhamos um modelo, sabemos que o modelo atual da ONU não está dando conta dos
desafios.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Quais
são suas expectativas em relação à Conferência? E como os cidadãos/consumidores
brasileiros podem colaborar para que os resultados da Rio+20 levem a uma
sociedade que possa atender ao bem estar de toda a humanidade sem comprometer a
sua sobrevivência no longo prazo?
Ana Maria – Embora os
acordos internacionais sejam muito importantes, por pautarem os países e fazer
com que regulamentem o que foi assinado, a Rio+20 poderá ter um grande peso
mesmo que não seja uma conferência de fechamento de acordos. Isso porque os
processos também são importantes, por promoverem as iniciativas que os países
já têm. As trocas são importantes e o Brasil tem o que mostrar, como as
Políticas Nacionais de Mudanças Climáticas e de Resíduos Sólidos. É uma boa
oportunidade de trazer pauta para o Brasil e o mundo. O caminho que acreditamos
é pela consciência do cidadão, que ele (indivíduo) construa corresponsabilidade
social perante os desafios. Isso passa por educação não só das futuras
gerações, mas das gerações em consumo. Precisamos mobilizar e nos associar aos
donos de restaurantes, estilistas, lojistas, industriais. A Amazônia, por
exemplo, é um local onde o desafio é produzir linhas de produtos com escala e
que possam substituir o que é feito com bens não renováveis, sem destruir as
florestas. A região precisa de tecnologias inovadoras que se utilizem da floresta
tropical em pé.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: De
onde virão essas tecnologia inovadoras?
Ana Maria – O economista
Ignacy Sachs tem defendido a ideia de uma nova subdivisão geopolítica que
considere os biomas e que haja cooperação, com troca de aprendizagens no mundo.
Assim, parcerias entre Brasil, Índia e África são um caminho. Uma economia com
base nos biomas é um dos novos paradigmas possíveis para produção e consumo com
menos impacto.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: E as
empresas, estão preparadas para a economia verde ou só irão caminhar nessa
direção a partir de cobrança governamental e da sociedade?
Ana Maria – O que se vê é
que as empresas têm um poder muito grande e talvez maior agilidade para trazer
respostas tecnológicas às demandas necessárias. O desafio é fazer com que tirem
proveito para seu negócio, mas também se aproximem do setor público e entre si,
porque o mundo precisa de cooperação entre empresas do mesmo setor.
Estanislau Maria – No caso
de algumas empresas, realmente, é difícil o conceito de sustentabilidade entrar
expontaneamente; para essas precisa haver legislação e regulação. Mas há bons
exemplos de cooperação, como no caso do acordo dos supermercados de São Paulo
para abolir as sacolinhas plásticas.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Qual o
papel do terceiro setor nesse cenário?
Ana Maria – As organizações
não governamentais são fundamentais e as empresas reconhecem sua importância.
As ONGs são hoje um campo de inteligência: monitoram, fiscalizam, denunciam.
Hoje, muitas empresas confiam em ONGs e se associam a elas em projetos. A
Brasken chamou o Akatu para referendar um estudo sobre sacolas plásticas. Fomos
chamados porque eles sabem que vamos questionar.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Uma
das linhas de ação do Akatu é mostrar como as ações individuais podem impactar
toda a sociedade para um mundo mais sustentável. Como isso é possível diante de
uma realidade onde os recursos naturais já estão sendo utilizados além dos
limites que o planeta é capaz de repor?
Ana Maria – O Akatu trabalha
de duas maneiras. Na primeira frente, busca orientar as empresas para que
trabalhem conosco e desenvolvam e promovam produtos mais sustentáveis, através
de embalagens com menos impactos, uma cadeia construtiva que leve em conta o
ciclo de vida do produto. Queremos que aprendam como inovar e como trazer isso
ao consumidor. Por outro lado, a mudança de comportamento de consumo passa pelo
indivíduo. Tudo o que tem a ver com mudança de hábito é difícil. Só se consegue
por dor ou grandes estímulos. É como fazer dieta: só se consegue mudando os
hábitos de consumo de alimentos. Mas a motivação precisa ser grande: ou por
doença ou porque se quer colocar um biquíni nas férias, por exemplo. Para o
consumidor que precisa mudar os padrões de consumo no dia a dia, queremos que
consiga ver além da sua comodidade pessoal. Se eu usar muita água, vai faltar
na periferia, pois não tem água suficiente para todos. Não adianta eu separar
meu lixo se não houver coleta seletiva. O desafio é sair do discurso e colocar
os problemas no cotidiano de cada um. Só quando tenho contato com minha
realidade, posso mudar o caminho. Acreditamos que a mudança não é imposta.
Sabemos, porém, que isso não é suficiente para responder ao ritmo de mudanças
que o planeta pede, por isso precisamos de desafios e campanhas cada vez mais
potentes.
FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: O
Akatu acaba de lançar um decálogo do consumo consciente (veja abaixo). Como a
instituição chegou a essas dez orientações e no que elas podem colaborar para
um mundo mais sustentável?
Estanislau – O Akatu tem
produzido conteúdo para ser discutido com todos os setores e, periodicamente,
também faz pesquisas sobre o perfil do consumidor brasileiro e o seu
entendimento sobre responsabilidade social das empresas – a mais recente é de
2010 e mostrou que a fatia de consumidores conscientes no país continua em 5%
da população. Além disso, sabemos que o planeta vive uma situação dual, onde já
consumimos 50% a mais do que o planeta é capaz de repor e apenas 16% da
população mundial consome 78% dos recursos retirados da natureza. E, apesar do
déficit de recursos, temos também um déficit de produtos para grande parte da
humanidade. Mesmo sabendo que não é possível mudar tudo do dia para a noite,
pensamos quais seriam os princípios que regem essa sociedade insustentável e
quais seriam os da sociedade sustentável para a qual temos que migrar? Levamos
em consideração também que nem tudo é possível e que a formulação não poderia
ser absoluta. Por exemplo, não podemos dizer: não use descartáveis, já que na
área de saúde eles são necessários. Alguma embalagem é necessária, já que sem
ela muitos produtos pereceriam rapidamente e seriam perdidos; por isso a
reciclagem é essencial.
Ana Maria – Usamos esse
decálogo em oficinas de desenvolvimento de produtos, para desafiar as empresas
a criar produtos mais duráveis, sem obsolescência acelerada ou programada. O
objetivo é contribuir para modos de produção e consumo mais sustentáveis. Soube
de uma empresa alemã que está desenvolvendo eletrodomésticos que podem receber
“upgrade” quando surgirem inovações sem precisar ser trocados. Mas para que
isso dê certo, o consumidor também precisa estar preparado.
O Decálogo do Consumo Consciente
do Akatu propõe um consumo que valorize:
- Os produtos duráveis mais do que os descartáveis ou de obsolescência acelerada;
- A produção e o desenvolvimento local mais do que a produção global;
- O uso compartilhado de produtos mais do que a posse e o uso individual;
- A produção, os produtos e os serviços social e ambientalmente mais sustentáveis;
- As opções virtuais mais do que as opções materiais;
- O não desperdício dos alimentos e produtos, promovendo o seu aproveitamento integral e o prolongamento da sua vida útil;
- A satisfação pelo uso dos produtos e não pela compra em excesso;
- Os produtos e as escolhas mais saudáveis;
- As emoções, as ideias e as experiências mais do que os produtos materiais;
- A cooperação mais do que a competição.
Clima e Floresta; IPAM
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