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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Entrevista: Desenvolvimento sustentável não é questão de charme


Estamos nos aproximando de mais uma Conferência da ONU sobre Sustentabilidade, que novamente acontecerá no Brasil (Rio+20), entre os dias 13 e 22 de junho, na qual as nações serão instigadas a mudar a forma de produção mundial para buscar a sustentabilidade. Mais do que um evento oficial, porém, a Conferência é um convite para que a sociedade discuta “nosso futuro comum”, como já apregoava o Relatório Brundtland, que propôs em 1987 o desenvolvimento sustentável (aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades). O Instituto Akatu trabalha para que o consumo consciente seja um dos mecanismos para se chegar ao novo modelo de produção e estilo de vida para que se chegue a essa nova forma de desenvolvimento, conforme disseram ao Floresta do Meio do Mundo sua diretora executiva, Ana Maria Wilheim, e o coordenador de conteúdo Estanislau Maria.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: A economia verde e a governança para a sustentabilidade são os principais temas programados para a Rio+20. Na sua opinião, a economia sustentável é viável? Há espaço para uma governança para a sustentabilidade?

Ana Maria Wilheim – O processo para construção de um novo modelo econômico é inevitável, já que o atual modelo de produção e estilo de vida chegou ao limite. Desenvolvimento sustentável não é mais uma questão de charme. Precisamos que o novo modelo se paute por novas tecnologias e um sistema de produção de menor impacto e preocupado com o ciclo de vida do produto. Nesse sentido, a Rio+20 é muito oportuna como indutora para a economia verde, que precisa ser sustentável e inclusiva, com erradicação da pobreza. O debate preparatório no Brasil já incluiu esta dimensão. Já a governança para a sustentabilidade também é inevitável. O desafio é criar espaços para institucionalizá-la. Embora não tenhamos um modelo, sabemos que o modelo atual da ONU não está dando conta dos desafios.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Quais são suas expectativas em relação à Conferência? E como os cidadãos/consumidores brasileiros podem colaborar para que os resultados da Rio+20 levem a uma sociedade que possa atender ao bem estar de toda a humanidade sem comprometer a sua sobrevivência no longo prazo?

Ana Maria – Embora os acordos internacionais sejam muito importantes, por pautarem os países e fazer com que regulamentem o que foi assinado, a Rio+20 poderá ter um grande peso mesmo que não seja uma conferência de fechamento de acordos. Isso porque os processos também são importantes, por promoverem as iniciativas que os países já têm. As trocas são importantes e o Brasil tem o que mostrar, como as Políticas Nacionais de Mudanças Climáticas e de Resíduos Sólidos. É uma boa oportunidade de trazer pauta para o Brasil e o mundo. O caminho que acreditamos é pela consciência do cidadão, que ele (indivíduo) construa corresponsabilidade social perante os desafios. Isso passa por educação não só das futuras gerações, mas das gerações em consumo. Precisamos mobilizar e nos associar aos donos de restaurantes, estilistas, lojistas, industriais. A Amazônia, por exemplo, é um local onde o desafio é produzir linhas de produtos com escala e que possam substituir o que é feito com bens não renováveis, sem destruir as florestas. A região precisa de tecnologias inovadoras que se utilizem da floresta tropical em pé.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: De onde virão essas tecnologia inovadoras?

Ana Maria – O economista Ignacy Sachs tem defendido a ideia de uma nova subdivisão geopolítica que considere os biomas e que haja cooperação, com troca de aprendizagens no mundo. Assim, parcerias entre Brasil, Índia e África são um caminho. Uma economia com base nos biomas é um dos novos paradigmas possíveis para produção e consumo com menos impacto.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: E as empresas, estão preparadas para a economia verde ou só irão caminhar nessa direção a partir de cobrança governamental e da sociedade?

Ana Maria – O que se vê é que as empresas têm um poder muito grande e talvez maior agilidade para trazer respostas tecnológicas às demandas necessárias. O desafio é fazer com que tirem proveito para seu negócio, mas também se aproximem do setor público e entre si, porque o mundo precisa de cooperação entre empresas do mesmo setor.
Estanislau Maria – No caso de algumas empresas, realmente, é difícil o conceito de sustentabilidade entrar expontaneamente; para essas precisa haver legislação e regulação. Mas há bons exemplos de cooperação, como no caso do acordo dos supermercados de São Paulo para abolir as sacolinhas plásticas.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Qual o papel do terceiro setor nesse cenário?

Ana Maria – As organizações não governamentais são fundamentais e as empresas reconhecem sua importância. As ONGs são hoje um campo de inteligência: monitoram, fiscalizam, denunciam. Hoje, muitas empresas confiam em ONGs e se associam a elas em projetos. A Brasken chamou o Akatu para referendar um estudo sobre sacolas plásticas. Fomos chamados porque eles sabem que vamos questionar.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: Uma das linhas de ação do Akatu é mostrar como as ações individuais podem impactar toda a sociedade para um mundo mais sustentável. Como isso é possível diante de uma realidade onde os recursos naturais já estão sendo utilizados além dos limites que o planeta é capaz de repor?

Ana Maria – O Akatu trabalha de duas maneiras. Na primeira frente, busca orientar as empresas para que trabalhem conosco e desenvolvam e promovam produtos mais sustentáveis, através de embalagens com menos impactos, uma cadeia construtiva que leve em conta o ciclo de vida do produto. Queremos que aprendam como inovar e como trazer isso ao consumidor. Por outro lado, a mudança de comportamento de consumo passa pelo indivíduo. Tudo o que tem a ver com mudança de hábito é difícil. Só se consegue por dor ou grandes estímulos. É como fazer dieta: só se consegue mudando os hábitos de consumo de alimentos. Mas a motivação precisa ser grande: ou por doença ou porque se quer colocar um biquíni nas férias, por exemplo. Para o consumidor que precisa mudar os padrões de consumo no dia a dia, queremos que consiga ver além da sua comodidade pessoal. Se eu usar muita água, vai faltar na periferia, pois não tem água suficiente para todos. Não adianta eu separar meu lixo se não houver coleta seletiva. O desafio é sair do discurso e colocar os problemas no cotidiano de cada um. Só quando tenho contato com minha realidade, posso mudar o caminho. Acreditamos que a mudança não é imposta. Sabemos, porém, que isso não é suficiente para responder ao ritmo de mudanças que o planeta pede, por isso precisamos de desafios e campanhas cada vez mais potentes.

FLORESTA DO MEIO DO MUNDO: O Akatu acaba de lançar um decálogo do consumo consciente (veja abaixo). Como a instituição chegou a essas dez orientações e no que elas podem colaborar para um mundo mais sustentável?

Estanislau – O Akatu tem produzido conteúdo para ser discutido com todos os setores e, periodicamente, também faz pesquisas sobre o perfil do consumidor brasileiro e o seu entendimento sobre responsabilidade social das empresas – a mais recente é de 2010 e mostrou que a fatia de consumidores conscientes no país continua em 5% da população. Além disso, sabemos que o planeta vive uma situação dual, onde já consumimos 50% a mais do que o planeta é capaz de repor e apenas 16% da população mundial consome 78% dos recursos retirados da natureza. E, apesar do déficit de recursos, temos também um déficit de produtos para grande parte da humanidade. Mesmo sabendo que não é possível mudar tudo do dia para a noite, pensamos quais seriam os princípios que regem essa sociedade insustentável e quais seriam os da sociedade sustentável para a qual temos que migrar? Levamos em consideração também que nem tudo é possível e que a formulação não poderia ser absoluta. Por exemplo, não podemos dizer: não use descartáveis, já que na área de saúde eles são necessários. Alguma embalagem é necessária, já que sem ela muitos produtos pereceriam rapidamente e seriam perdidos; por isso a reciclagem é essencial.
Ana Maria – Usamos esse decálogo em oficinas de desenvolvimento de produtos, para desafiar as empresas a criar produtos mais duráveis, sem obsolescência acelerada ou programada. O objetivo é contribuir para modos de produção e consumo mais sustentáveis. Soube de uma empresa alemã que está desenvolvendo eletrodomésticos que podem receber “upgrade” quando surgirem inovações sem precisar ser trocados. Mas para que isso dê certo, o consumidor também precisa estar preparado.

O Decálogo do Consumo Consciente do Akatu propõe um consumo que valorize:


  • Os produtos duráveis mais do que os descartáveis ou de obsolescência acelerada;
  • A produção e o desenvolvimento local mais do que a produção global;
  • O uso compartilhado de produtos mais do que a posse e o uso individual;
  • A produção, os produtos e os serviços social e ambientalmente mais sustentáveis;
  • As opções virtuais mais do que as opções materiais;
  • O não desperdício dos alimentos e produtos, promovendo o seu aproveitamento integral e o prolongamento da sua vida útil;
  • A satisfação pelo uso dos produtos e não pela compra em excesso;
  • Os produtos e as escolhas mais saudáveis;
  • As emoções, as ideias e as experiências mais do que os produtos materiais;
  • A cooperação mais do que a competição. 


Clima e Floresta; IPAM

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