Ao completar 22 anos do Decreto
Federal Nº 98.816, de 1990, que regulamentou primeiramente a Lei dos
Agrotóxicos, o grande avanço certamente é a ampliação da consciência da
sociedade em torno dos grandes problemas ambientais que ainda é o uso
indiscriminado de venenos agrícolas e, precisa ser traduzida em ações pelo
poder público.
Nas últimas décadas, o meio
ambiente vem sofrendo profundas modificações decorrentes do processo da
modernização agrícola. Esta se deu através de políticas dirigidas
principalmente ao desenvolvimento das monoculturas destinadas à exportação.
Tais políticas se fazem sobre a orientação e interesse do grande capital
nacional e internacional. Como decorrência desta atuação do Estado, amparado
ainda por legislação que pouco se preocupou e se preocupa, em proteger a saúde
ambiental e das populações envolvidas, o ambiente tem sido encarado como uma
fonte inesgotável de recursos, com capacidade ilimitada para suportar os
despejos químicos e as modificações antrópicas derivadas do processo agrícola.
A população está exposta à grande
quantidade de substâncias químicas potencialmente perigosas à saúde, entre
estas, estão os venenos agrícolas, utilizados cotidianamente, inclusive nas áreas
urbanas. Há poucos anos, várias patologias
como câncer, doenças respiratórias, neurológicas, transtornos de conduta e más
formações congênitas, eram consideradas doenças de “causas” desconhecidas.
Pesquisas na área de Saúde Ambiental, que estudam os impactos do ambiente na
saúde humana, vêm revelando o ambiente como fator importante no processo de
determinação dessas patologias.
O termo “defensivo agrícola” tem
sido empregado por fabricantes, distribuidores, vendedores, técnicos
incentivados pelo setor produtivo industrial, que desejam minimizar o
reconhecimento de sua nocividade. Até hoje, o setor industrial investe nesta
denominação, busca e influencia a política agrícola para o uso intensivo desses
venenos. A denominação de “veneno”, de emprego popular, é o mais adequado. O
termo agrotóxico é mais ético, honesto e esclarecedor, tanto para agricultores
como para consumidores.
O saber leigo tem demonstrado a
percepção que o senso comum tem a respeito dos efeitos na saúde humana e dos
animais, já que são vitimas diretas da exposição. O termo “remédio“, também
popularizado, é empregado, para denominar os venenos de uso doméstico.
Independente da denominação que estes venenos recebam, na realidade, são
“biocidas” inespecíficos, cuja ação não se restringe ao âmbito de determinadas
espécies de pragas, mas atuam sobre todos os organismos vivos, incluindo aí o
ser humano em suas estruturas orgânica e funcional.
Se, sobre hipótese alguma os
venenos agrícolas põem em risco a saúde humana, como pode ser admitida a utilização
colocando em risco de intoxicações consumidores e/ou trabalhadores expostos? A exposição direta ocorre quando
os venenos agrícolas entram em contato direto com a pele, olhos, boca ou nariz.
Os acidentes pela exposição direta ocorrem com os trabalhadores que manuseiam
ou aplicam venenos agrícolas. Na NR 31, definem-se ”trabalhadores em exposição
direta,” aqueles que manipulam os venenos agrícolas e afins, em qualquer uma
das etapas de armazenamento, transporte, preparo aplicação, destinação e descontaminação
de equipamentos e vestimentas.
A exposição indireta ocorre
quando as pessoas, que não aplicam ou manuseiam venenos agrícolas, entram em
contato com plantas, alimentos, roupas ou qualquer outro objeto contaminado. Na
NR 31, consideram-se “trabalhadores em exposição indireta”, aqueles que não
manipulam diretamente os venenos agrícolas, coadjuvantes e produtos afins, mas
circulam e desempenham atividades em áreas vizinhas às locais em que são
manipulados produtos em qualquer uma das etapas citadas e ainda, os que
desempenham atividades em áreas recém-tratadas.
A utilização de venenos agrícolas
tem se dado de várias formas, dependendo do ambiente onde é executada a
aplicação, ocorrendo no ambiente rural, urbano, no interior de habitações e até
em veículos de transporte.
A contaminação por venenos
agrícolas deve despertar atenção crescente, devido suas consequências para a
saúde humana e a degradação do meio ambiente, causadas por seu uso crescente e
inadequado.
Os prejuízos causados pelos
venenos agrícolas, por seu uso inadequado, extrapolaram o interesse econômico,
ganhando dimensão social, pois ao prejudicarem a saúde humana, demandam verbas
públicas e privadas, para os atendimentos médicos hospitalares.
O uso dos venenos agrícolas é
caso típico de externalidade negativa, onde um ou mais produtores e/ou
aplicadores são as fontes, e um ou mais consumidores e/ou cidadãos são os
receptores das externalidades.
Aplicadores de venenos agrícolas
utilizam pulverizadores costais manual, geralmente a aplicação é feita na maior
parte das vezes sem o uso de “Equipamento de Proteção Individual”.
O uso indiscriminado de venenos
agrícolas resulta em níveis severos de poluição ambiental e intoxicação humana,
pois grande percentagem dos agricultores, aplicadores, desconhece os riscos a
que se expõem e, consequentemente, negligenciam normas básicas de saúde e
segurança. Os lobbies dos fabricantes de
venenos agrícolas é tal, a ponto de transferirem sua irresponsabilidade, que a
responsabilidade pelas intoxicações é do usuário mal preparado e que a sua
educação para o uso adequado é a verdadeira solução para reduzir os riscos.
Os índices de consumo de venenos
agrícolas, apresentados como desproporcionais em relação aos índices de
produção, demonstram a ineficiência dos atuais sistemas de controle dos venenos
agrícolas, dentre estes o receituário agronômico. Além dos perigos aos seres
humanos, nos aspectos ocupacionais, alimentares e de saúde pública, sabe-se que
a introdução de agrotóxicos no ambiente pode provocar efeitos indesejáveis,
tendo como consequência mudanças no funcionamento do ecossistema afetado.
O uso intensivo de venenos
agrícolas aplicados irresponsavelmente, combinado com as monoculturas, destrói
a biodiversidade e comprometem os recursos naturais para as presentes e futuras
gerações. Enquanto a comercialização dos
venenos agrícolas é relativamente regulamentada e controlada por legislação
específica, embora precariamente fiscalizada, os venenos domésticos não contam
com o rigor da lei, são livremente comercializados em mercados, comércio
informal. Os meios de comunicação, propagandas têm dado a estes, a ideia falsa
de inócuos, associando-os à proteção da saúde e do ambiente, utilizando-se de
ícones de produtos naturais.
Atentem-se ainda, para o fato de
que os diferentes biomas não respondem da mesma forma às ações que sobre eles
executamos. O interesse econômico em vender
os venenos agrícolas, produzidos pelas multinacionais e não perder a produção,
pelos agricultores, prevalece sobre a preocupação com a saúde, inclusive com a
saúde dos consumidores de produtos agrícolas. A culpa é da vitima, que não teve
cuidado, por que tem sangue fraco, porque está exposto desde criança, porque
deu azar.
Estamos expostos aos venenos
agrícolas, por vias ambientais, em nossas casas, escolas, gramados, jardins,
assim como pela alimentação e águas contaminadas, e por vias ocupacionais,
durante nossa participação nas atividades laborais. A precariedade da forma com que,
em geral, os venenos agrícolas são utilizados, bem como o uso simultâneo de
vários deles, geralmente em grandes quantidades, aponta a existência de risco
elevado que pode se tornar, num espaço de tempo curto, até mesmo de uma
geração, problemas de gravíssimas consequências para a saúde pública e até para
o desenvolvimento nacional.
A ignorância sobre o manejo
adequado dos venenos agrícolas e as condições de vida do homem torna os
trabalhadores do ramo, grupo prioritário para a implementação urgente de
programas, com o objetivo de avaliar o impacto destes venenos sobre a saúde do
homem e do ambiente nas diversas regiões, em particular naquelas com intensa
atividade agrícola.
O desrespeito às normas de
segurança, conhecimentos insuficientes sobre os perigos dos venenos agrícolas,
a livre comercialização de produtos altamente tóxicos e a grande pressão
comercial por parte das empresas produtoras e distribuidoras constituem as
principais causas que levam ao agravamento do quadro.
Ainda a denominada “capina
química” urbana, os riscos ocupacionais, ambientais e sanitários sobrepõem-se
às suas possíveis vantagens, ainda porque a remoção dos resíduos após a capina
são mantidos, e para que tenhamos resultados esperados, em termos de benefícios
visuais, ambientais e a saúde pública, terão de ser removidos. É crime a conduta de utilizar
venenos agrícolas, causando poluição, que resultem em danos à saúde humana, que
provoquem a mortandade de animais, a destruição da flora.
Tem sido falado e proposto a
respeito da melhor proteção do trabalhador rural, diretamente exposto à intoxicação
por venenos agrícolas. O mesmo não pode ser dito, quanto à proteção das
populações de organismos vivos, em geral, e humanas, em especial, indiretamente
expostas por meio da contaminação da água, do solo, de alimentos que contenham
níveis perigosos de resíduos de venenos agrícolas, estes estão potencialmente
sujeitos a efeitos crônicos de exposição continuada a múltiplos agentes.
A utilização maciça de venenos
agrícolas, em grande escala, os efeitos tóxicos não se limitam única e
exclusivamente aos alvos a que se destinam, mas apresentam risco à saúde humana
e animal, ao meio ambiente. O monitoramento constante do
impacto da utilização de venenos agrícolas na saúde humana e no meio ambiente
deve ser o objetivo a ser alcançado.
A falta de políticas efetivas de
fiscalização no acompanhamento técnico e no controle dos venenos agrícolas no
Brasil, e integrado no mercado globalizado, revela que o parâmetro que
interessa aos tomadores de decisão é apenas o da produção. A saúde e o ambiente
estão longe de uma atenção adequada.
É importante ressaltar que as
ações para evitar os danos à saúde do trabalhador, não tenham como enfoque
exclusivo o trabalhador, no sentido de capacitá-lo para cada vez mais utilizar
venenos agrícolas, mas principalmente oferecer condições para que o produtor
tenha disponíveis alternativas para o controle dos organismos que venham
diminuir a produção. Assim, poderia ser carreado maior aporte de recursos, não
só para a diminuição da toxicidade dos venenos, mas também a busca de
alternativas agroecológicas de produção.
São necessários estudos que
avaliem os reais benefícios do uso dos venenos agrícolas, confrontando-os com
os resultados obtidos nas alternativas agrícolas não tradicionais, como a
agroecologia. Podemos tomar como exemplo estudos importantes realizados por
países em desenvolvimento, que incorporam as variáveis ambientais e da saúde
humana, no cálculo dos custos do uso dos venenos agrícolas. No Brasil, estudos
dessa natureza são incipientes, como o programa específico para a racionalização
dos venenos agrícolas.
Esperamos que programas, que
representem avanços na agenda da pesquisa brasileira, venham a efetivar as
medidas necessárias de uso, manejo e de informação dos venenos agrícolas no
campo da saúde.
Julio Cesar Rech Anhaia - EcoDebate
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