sexta-feira, 7 de junho de 2013

As raças brasileiras de cães

A cinofilia (forte interesse, afinidade ou entusiasmo por cães) foi criada no século 19 na Inglaterra, mas o Brasil já pode dizer que contribui com pelo menos nove raças de origem legitimamente brasileira. Elas mesmas: fila brasileiro, terrier brasileiro (fox paulistinha), dogue brasileiro, ovelheiro gaúcho, griffon barbudo, buldogue campeiro, veadeiro pampeano, rastreador brasileiro e podengo crioulo. Embora apenas três tenham até agora reconhecimento internacional.

Fila brasileiro


Com trocadilho e tudo, quem puxa a "fila" das raças caninas brazucas é este imponente, corajoso e fiel cão de guarda e boiadeiro, a mais famosa raça brasileira e a segunda a ser reconhecida oficialmente (em 1968, logo após o rastreador brasileiro) pela FCI (Federação Cinológica Internacional), que tem sede na Bélgica e exige detalhes como ausência ou controle de problemas genéticos e quantidade mínima de exemplares homogêneos sem parentesco próximo.

Resultante do cruzamento de raças como mastifes, buldogues e bloodhounds trazidas pelos primeiros colonizadores e ocupantes portugueses e holandeses, o fila sempre ajudou muito na travessia de florestas cerradas e virgens e na guarda e condução das propriedades e rebanhos, inclusive recuperando reses desgarradas. E ganhou até uma campanha de marketing informal nos anos 1980, quando apareceu por toda parte a pichação "Cão Fila Km 26" — referindo-se a um canil da Grande São Paulo (na Estrada do Alvarenga) especializado na raça.

O fila chegou a ter fama exagerada de cão feroz e perigoso, comparável à que os pobres pitbull e rottweiller enfrentaram mais tarde. Mas hoje se sabe que o risco apresentado por um canino depende de sua criação.

Afinal, por que o nome "fila"? Nada a ver com aquelas amadas aglomerações ordeiras, mas vem do verbo "filar", derivado de "filhar" e que significa "agarrar com firmeza, segurar com os dentes"; a expressão "cão de filhar" já era comum no século 19; "filar" significa também, claro, "pedir de graça", mas isso é outra história.

Terrier brasileiro


Os cães terriers são tão queridos quanto confundidos. Assim como já vi o cachorrinho da gravadora RCA ser descrito como sendo quatro tipos diferentes de Terrier, há dúvida também sobre a origem do terrier brasileiro, cujos ancestrais são terriers não especificados (podem ter sido foxes ou jack russells) que trabalhavam como caçadores de ratos em navios mercantes vindos da Europa, principalmente a Inglaterra, desde o século 19. A hipótese do cruzamento que originou a raça ter incluído o fox terrier explica o fato de nosso terrier brasileiro ser chamado também de fox paulistinha. O fato é o padrão da raça se fixou em 1920 e ela foi a terceira a ser aceita pela rigorosa FCI, em 1996.

E o terrier brasileiro continua se dando bem não só como guardião de mercadorias num país cada vez mais industrializado, mas também auxiliar na guarda e controle dos rebanhos nos campos — e seu temperamento ativo e baixa agressividade o fazem campeão na companhia de crianças e "dog shows". Mas, como quase todo artista, gosta de ser independente e precisa ser treinado com decisão.

Rastreador brasileiro


Está aí uma raça que merece um belo filme. Seu próprio nome diz para que ela foi criada: auxiliar na caça de animais, especialmente porcos do mato e onças, detectando-lhes a presença, acuando-as para serem abatidas mais facilmente e inclusive alertando o dono ou o caçador com latidos — daí ser conhecido também como "urrador". Sua gênese é bem documentada, criado pelo gaúcho Oswaldo Aranha Filho (sim, seu pai foi o famoso político), a partir de cruzamentos de raças como foxhound americano, black and tan coonhound, petit bleu de Gascogne, black and tan hound inglês, bluetick hound americano e até nosso veadeiro pampeano.

O rastreador brasileiro foi concebido nos anos 1950 e a aceitação da FCI até chegou rápido, em 1967. Mas, infelizmente, em 1973 todos os exemplares do canil de Aranha Filho — único a desenvolver e comercializar a raça — faleceram devido a uma epidemia de piriplasmose trazida por carrapatos e intoxicação por ter um funcionário do canil aplicado inseticida em excesso. De modo que o reconhecimento da FCI foi revogado e a raça teve de ser declarada extinta.

Ou não? Aranha Filho havia doado cerca de 40 filhotes machos a caçadores e fazendeiros para teste de desempenho durante o aprimoramento do perfil. De modo que hoje temos vários descendentes de rastreador brasileiro não só no Sul, tchê, mas até na Bahia e nas Alagoas — embora conhecidos por outros nomes como cachorro onceiro, pantaneiro, americano e até urrador brasileiro. Muitos cinófilos têm esperanças de que o rastreador brasileiro volte a ser criado e reconhecido. 

Buldogue campeiro


Esse não brinca em serviço, capaz de arrastar porcos pelas orelhas e segurar um boi de meia tonelada pelo focinho. Mas, tal como seu antecessor buldogue inglês, ele brinca muito bem na hora de conviver com crianças e famílias — e, ao contrário daquele, não perdeu a disposição para guarda e auxílio na caça e rastreamento.

O buldogue campeiro surgiu nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina no século 19, e se tornou muito popular. Mas nos anos 1970 quase foi extinto, devido a cruzamentos feitos de qualquer jeito por inexperiência ou ganância para vender "buldogues campeiros diferentes". Coube ao gaúcho Ralf Schein Bender, fã desde criança do buldogue campeiro, a honra e a missão de literalmente salvar a raça, estabelecendo-se como criador dedicado à própria em 1978. Os novos buldogues eram mestiços e não conservavam mais aquelas características marcantes da raça que eu estava justamente buscando. Foi triste constatar que num período relativamente curto de tempo os cruzamentos alteraram tais qualidades.

Ovelheiro Gaúcho


Mas bah, tchê! No nome desta raça já se vê sua origem e função original, a qual ele ainda exerce com brilho, pastoreio de ovelhas e outros rebanhos. Esta raça surgiu do cruzamento não muito planejado de diversas raças usadas para cuidar de rebanhos, principalmente o border collie. O temperamento do ovelheiro gaúcho parece ser criado sob medida para cuidar de ovelhas; agressividade e ataque não são seu ponto principal, mas ele se sai muito bem como cão de alarme.

Griffon barbudo


Também conhecido como barbudinho, ainda não foi reconhecido oficialmente como raça, por não haver quem organize sua criação e reprodução — inclusive a raça está ameaçada de ser extinta como tal - , embora seja muito usada por pessoas leigas em cinofilia para companhia, caça de subsistência e pastoreio de gado e ovelhas.

Veadeiro pampeano (ou pampeiro)


Eis outra raça brasileira cujo nome não deixa dúvidas quanto ao local de nascimento e função original, embora seja conhecida também como Veadeiro Brasileiro — e suas raças matrizes sejam um pequeno mistério. O veadeiro pampeano tem temperamento mais tranquilo que o de outras raças caçadoras, pois não costuma trabalhar sozinho e sim em duplas ou matilhas, convivendo bem com outros cães, e é também excelente cão de companhia para humanos.

Dogue brasileiro


Além de seus grandes méritos como cão de guarda e estimação e a agilidade apesar do grande porte — segundo muitos, superior a ilustres raças estrangeiras como o rottweiller — , esta raça é o sonho de todo pesquisador: dela sabemos a data de surgimento, 1978, e o nome do "pai", Pedro Dantas. Outra distinção do dogue brasileiro é ter sido a primeira raça canina brasílica nascida em ambiente urbano, longe das plantações e rebanhos de seus colegas peludos. O dogue brasileiro só passou por uma grande mudança: o nome, originalmente bull boxer, refletindo as raças que o originaram, o boxer e o bull terrier. E a raça está cada vez mais próxima de ganhar o reconhecimento da exigente FCI, faltando apenas comprovar existência de oito linhagens homogêneas vindas de pelo menos dois machos e seis fêmeas, com cada uma destas linhagens sem pais, avós e bisavós em comum com as outras sete. 

Podengo crioulo

Afinal, qual a origem da palavra "podengo"? Ainda não se sabe, exceto que já era usada em Portugal no século 16 para designar cão caçador que age em matilha. O fato é que o podengo crioulo existe em todas as regiões do Brasil e seu nome varia de acordo: aracambé, pé duro, orelhudo, coelheiro, paqueiro (de "pack hunting", caça em matilha, ou de "paca"?), tatuzeiro, rateiro e até terrier de minas.

Os biólogos Marcelo Ribeiro dos Santos e Tiago Abreu Barbosa da Silva perceberam que a raça estava em risco de extinção e se empenham no resgate e reconhecimento oficial do podengo; eles conseguiram estabelecer o padrão da raça, que ainda aguarda aprovação e reconhecimento oficial do CBKC (Confederação Brasileira de Cinofilia).


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Dia do Meio Ambiente: temos o que comemorar?

No que depender do lento avanço nas negociações internacionais realizadas em torno dos principais problemas ambientais enfrentados pela humanidade, não há muito para se comemorar no Dia do Meio Ambiente, que será celebrado hoje (5) em todo o mundo. Mais uma vez, a data encontra os governos dos países industrializados concentrados em superar sua crise econômica – que já dura meia década – e pouco afeitos a qualquer concessão ambiental que implique em novos gastos e investimentos. Mais uma vez, a paralisia parece ser a tônica dos esforços multilaterais que não conseguem fazer avançar as três principais convenções ambientais firmadas no âmbito da ONU: Mudanças Climáticas, Diversidade Biológica e Desertificação.

Publicado na semana passada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o documento “Perspectivas do Meio Ambiente Mundial” revela que somente quatro entre os 90 objetivos ambientais mais importantes listados pela ONU conseguiram “avanços significativos” nos últimos anos, enquanto 24 objetivos lograram “pouco ou nenhum avanço” e oito objetivos sofreram “deterioração”. Segundo o estudo, outros 40 objetivos globais conseguiram “algum avanço”.

Os quatro objetivos que, segundo o Pnuma, conseguiram “avanços significativos” são: eliminação da produção e uso de substâncias que prejudiquem a camada de ozônio, melhora do acesso ao abastecimento de água, fomento da investigação para reduzir a contaminação do ecossistema marinho e eliminação do chumbo da gasolina. A íntegra do estudo pode ser vista na página do Pnuma na internet.

Principal bandeira da luta global pela preservação ambiental, o combate ao aquecimento global é um dos objetivos onde se conseguiu “pouco ou nenhum avanço”, segundo a avaliação do Pnuma. Momentos de negociação cruciais como a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU, Rio+20, realizada há um ano no Brasil, ou a 18ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP-18, na sigla em inglês), realizada em Doha, no Catar, há seis meses, foram desperdiçados pelas divergências relativas à adoção de metas obrigatórias de redução das emissões de gases de efeito estufa ou à definição de mecanismos de incentivo financeiro para que os países pobres se preparem para enfrentar os efeitos do aquecimento planetário.

Começou segunda-feira (3) em Bonn (Alemanha) mais uma reunião preparatória à COP-19, que se realizará no mês de dezembro em Varsóvia (Polônia) e terá como missão criar uma segunda etapa para o Protocolo de Kyoto, que expirou este ano sem ter conseguido totalmente seus objetivos. Outra meta é avançar na elaboração da Plataforma de Durban, novo tratado global que entrará em vigor em 2015 e, pelo menos nas intenções até aqui manifestadas pelos governos, reunirá países ricos e em desenvolvimento em torno de metas obrigatórias de redução das emissões.

Biodiversidade

O quadro não é mais animador no que diz respeito à biodiversidade. Realizada há nove meses em Hyderabad (Índia), a última COP da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-11) também não obteve avanços graças à falta de consenso sobre quem vai financiar os programas de proteção da fauna e da flora. Sobre a perda da biodiversidade, a ONU sequer dispõe de dados suficientes para a apresentação de um diagnóstico completo, embora diversos estudos realizados por alguns governos nacionais apontem para a extinção ou a drástica diminuição populacional de milhares de espécies em todos os continentes. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), um novo dado alarmante é que a perda da biodiversidade já chega a 22% também entre os animais domesticados pelo homem, como gado, cabras, ovelhas, cavalos e até mesmo camelos.

Para ao menos saber com mais precisão a quantas anda a perda da biodiversidade em todo o planeta, a ONU criou há dois anos a Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES, na sigla em inglês), que reúne especialistas de diversos países. O novo fórum funciona nos mesmos moldes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que ganhou fama ao revelar os detalhes alarmantes do processo de aquecimento global em curso. O primeiro relatório do IPBES será divulgado durante a COP-12, prevista para acontecer no ano que vem em Seul, na Coreia do Sul.

No que diz respeito à biodiversidade, as necessidades mais urgentes reconhecidas pela ONU estão estabelecidas em dois documentos. As Metas de Aichi são um conjunto de 20 objetivos de longo prazo voltados à redução da perda da biodiversidade que devem ser alcançados até 2020. As metas foram organizadas em cinco temas: ataque às causas básicas da perda de recursos naturais, promoção do uso sustentável dos recursos, fomento da diversidade genética, aumento da proteção de florestas e aumento da proteção dos ambientes marinhos.

Outro instrumento da CDB é o Protocolo de Nagoya, que estabelece regras para o acesso a recursos genéticos – como princípios ativos encontrados em animais ou plantas tropicais usadas em medicamentos e cosméticos – e formas de compartilhar os benefícios garantidos por sua exploração comercial entre empresas, povos indígenas e governos. No entanto, apenas cinco países ratificaram o documento até agora, sendo que são necessárias 92 assinaturas para torná-lo vigente. A meta da ONU é que o Protocolo de Nagoya esteja em pleno funcionamento até 2015. O Brasil, que ainda não assinou o documento, se comprometeu a fazê-lo, mas ainda depende do aval do Congresso Nacional, onde o protocolo aguarda para ser analisado desde o final do ano passado.

Desertificação

Já a próxima Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação (COP-11) será realizada em setembro em Windhoek, na Namíbia. Deter o avanço das áreas áridas e semi-áridas do planeta, segundo o estudo do Pnuma, foi um dos objetivos da ONU que conseguiu “pouco ou nenhum avanço”, sobretudo no continente africano. Nesse caso, mais uma vez, os países não chegam a um consenso sobre como se dará o financiamento das ações de combate à desertificação.

O Brasil, assim como outros países emergentes, defende que seja estabelecido um plano de cooperação técnica que possa ajudar os países pobres, maiores afetados pela desertificação, a enfrentar o problema. Na COP-10, realizada em Changwon (Coréia do Sul), o governo brasileiro apresentou projetos de manejo florestal e de agroecologia desenvolvidos na Caatinga para enfrentar à desertificação.


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